Craque na arte de emparedar governos, o ex-presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), costumeiramente dizia que o Orçamento da União é de todos e não só do Executivo. É a mais pura verdade, considerando que os recursos incluídos no Orçamento são públicos e decorrentes de arrecadação de impostos pagos por todos os brasileiros honestos. Por razões óbvias, o parlamentar alagoano, ora sem poder algum, nunca disse que as emendas parlamentares deveriam ser públicas.
Ele também jamais aceitou a análise de que as emendas são muito mais do que somente uma questão de transparência. Na prática, elas são o caminho mais curto para a corrupção. Na concepção do ex-czar da Casa, as emendas são de propriedade de deputados e senadores e não cabe ao governo, ao Supremo Tribunal ou a qualquer cidadão questionar o receptor, tampouco a destinação dos muitos bilhões de reais que costumam morrer nos bolsos sem fundo de suas excelências.
Em síntese, parece que a ideia comum entre os parlamentares do Centrão, da direita e da esquerda é que a corrupção a partir das emendas seja um crime sem rosto. Diante dos fatos novos e antigos, quem ainda terá coragem de dizer que o ministro do STF Flávio Dino queria aparecer ao exigir transparência no repasse de emendas, inclusive com a obrigatoriedade de prestação de contas? Quem se arrisca? A exigência gerou estresses continuados entre o Lula 3 e o Congresso comandado à época por Artur Lira e pelo senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Do alto de seu peso como magistrado, Flávio Dino fincou o pé, manteve sua posição contra o liberou geral das emendas e venceu a queda de braço. Com a coragem de sempre, mandou a Polícia Federal correr atrás do toma lá, dá cá e deu no que deu. O primeiro esquemão já está na boca do povo. Trata-se da Operação Emendafest, cuja investigação revelou um diagrama criminoso de propina na liberação de recursos para um hospital do Rio Grande do Sul. Os desvios eram negociados pelo assessor de um deputado federal do Estado.
Até prova em contrário, o parlamentar gaúcho, é claro, nega envolvimento na maracutaia. O resultado da apuração da PF dá mais peso (não o físico) ao ministro na cobrança pela transparência e rastreabilidade dos recursos, assim como devolve o STF os holofotes do tema. Ao que se sabe, ao menos 20 investigações sobre desvios em emendas de deputados e senadores estão em curso atualmente no Supremo Tribunal. E muitas ainda virão. Para quem não se lembra, em agosto do ano passado o ministro estabeleceu critérios para o uso das emendas.
Limitou a destinação para o Estado que elegeu o parlamentar, salvo em projetos de âmbito nacional. Além disso, exigiu que, antes de receber os repasses, os beneficiados devem declarar ao governo a finalidade dos gastos, plano de trabalho, estimativa de recursos para execução da obra, prazo e classificação orçamentária da despesa. Por conta da tentativa de acabar com a mamata, Dino desagradou o Legislativo e virou persona non grata para congressistas do Centrão, da direita e da esquerda. Como Deus é justo, os áudios captados pelo VAR devolveram a Dino o apito do jogo. Se cuidem, senhores dos anéis. Os dedos começaram a ser arrancados.
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*Sonja Tavares é Editora de Política de Notibras