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Fato ou fake

VAR do STF devolve Lula ao gramado eleitoral

Publicado

Autor/Imagem:
Wenceslau Araújo*

Com um atraso de quase três anos, o VAR do Supremo Tribunal Federal decidiu rever um lance complicado e, para evitar que o juiz fosse chamado de ladrão, decidiu anular o gol que havia sido validado e suspendeu a partida na metade do segundo tempo. Tudo isso porque descobriram que o mando de campo estava invertido. No jargão jurídico, a história é de fácil entendimento, mas de muitas contradições. Por exemplo, é preciso explicar o tempo que perderam para concluir que o juiz da causa não era esse e sim aquele. Como uma decisão aparentemente tão óbvia leva meses, anos para ser anunciada? Surpreendendo os colegas, o ministro do STF Edson Fachin, com uma canetada silenciosa, acatou um habeas corpus em favor do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e anulou as condenações relacionadas à Operação Lava Jato (casos do sítio de Atibaia, do triplex do Guarujá e do Instituto Lula).

Se referendada pelo plenário da Suprema Corte, a posição do ministro transfere a análise dos três casos da 13ª Vara Federal de Curitiba para a Justiça Federal do Distrito Federal. Acreditando na hipótese de posicionamento eminentemente técnico e nada político, na prática o ministro sozinho embaralhou de vez o tabuleiro político ao devolver a elegibilidade ao líder maior do Partido dos Trabalhadores, reintegrando-o à cena eleitoral. Apesar de novamente uniformizar Lula para a disputa de 2022, Fachin manteve validados os processos relativos a desvios na Petrobras, o que faz crer que nem tudo está perdido, na medida em que, para especialistas em Judiciário, o ministro tentou salvar o que ainda restava da Lava Jato.

Para outros, a verdadeira leitura da deliberação fachiniana é o benefício final ao ex-juiz e ex-ministro Sérgio Moro, que acabou escapando do julgamento de suspeição de imparcialidade na condução do caso. A defesa do ex-presidente queria que Moro fosse julgado pelo STF por considerar que ele foi parcial ao condenar Lula no episódio do triplex. A reviravolta jurídico-política está posta com todas as letras e cores. Os detalhes e bastidores da canetada de Edson Fachin talvez ainda levem tempo para algum entendimento mais lógico. Um desses detalhes é a tese de suspeição de Sérgio Moro. Ela não está sepultada, porque certamente o PT vai insistir na condenação do ex-ministro. Até a estocada final, o outrora idolatrado juiz continuará unindo esquerda, direita e, principalmente, o centro, que ainda não tem nomes definidos para disputar a eleição presidencial.

Quanto aos extremos, esse novo cenário deixa claro em quem Lula deve mirar seus dardos e clareia ainda mais o adversário de Jair Bolsonaro. Em síntese, é o fortalecimento da polarização na sua mais alva essência. Resta saber quem apoiará esse ou aquele lado. O que esperar desse novo quadro? Por enquanto nada. Não estará errado quem disser que a suposta inocência garante a Lula uma razoável dianteira, considerando a força de sua militância. Também não errará aquele que afirmar que Bolsonaro será reeleito porque os que negaram o PT por causa de Lula terão ainda mais argumentos em 2022. Talvez errem os que estão apostando fichas extras em que a eleição presidencial será efetivamente polarizada entre o ex e o atual presidente. Não devemos esquecer que, muito mais importante do que Lula e Bolsonaro, é a pandemia enfrentada pela população, a mesma que, em novembro do ano que vem, será transformada em eleitorado.

Portanto, como nem todos acreditam que Lula seja absolutamente inocente e avaliando o crescente e diário desgaste de Bolsonaro, não é nenhum devaneio especular sobre matizes diferentes nessa polarização. Segmento da sociedade produtiva que tem de ser avaliado em conjunto com o processo eleitoral, o mercado, muito antes do retorno de Lula à batalha da urna, trabalha escancaradamente com o surgimento de uma terceira via. A aposta é um tertius sem a herança radical do PT e distante do populismo de Bolsonaro, que, para agradar seus apoiadores, deve anunciar outras intervenções nos moldes do que fez recentemente na Petrobras. É um risco que ele sabe antecipadamente muito perigoso, mas que, compulsivamente, fará parte de seu projeto de reeleição.

Utopia de forma concreta é um ou outro bolsonarista fanático afirmar que a decisão de Fachin facilitará a consolidação do golpe moldado há tempos no Palácio do Planalto. Sem alongamentos na análise, não há governo, clima, força ou coragem para isso. De qualquer maneira, a tendência de futuro é sombria para todos os lados. Dificilmente haverá governo viável se a pandemia e o processo de imunização se mantiverem nos níveis atuais. Se isso ocorrer, qual será o discurso capaz de amenizar a dor dos familiares dos 11.051.665 infectados e dos 266.398 mortos? Qual será a justificativa de Bolsonaro para explicar seu descaso com a doença? E o que dirá Lula ou qualquer outro candidato na tentativa de buscar alguma coordenação na descoordenação do país?

A pergunta que não calar é simples. Se o paredão eleitoral fosse hoje, quem você gostaria que ficasse? Entre a pólvora e o Exército que o capitão chama de seu, o martelinho do metalúrgico e, numa dessas mágicas da vida, a Doriavac do João, quem levará nota máxima? Não sei. Caberá ao eleitor decidir se esse paredão será fato ou fake. Qualquer decisão deve levar o país de volta à Noite das Garrafadas, incidente da história do Brasil Império, envolvendo portugueses que apoiavam Dom Pedro I e brasileiros liberais insatisfeitos com o imperador e que exigiam maior liberdade política, administrativa e de imprensa. O episódio ocorreu em março de 1831 e foi um dos principais acontecimentos do período imediatamente anterior à abdicação do monarca. A revolta recebeu esse nome porque simpatizantes do imperador usaram garrafas e cacos de vidro para atacar os revoltados. Tomara que em 2022 não tenhamos a Noite das Baionetas, A Noite da Togas ou, quem sabe, mais uma intervenção intempestiva do VAR. É esperar para ver.

*Wenceslau Araújo é jornalista

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