Pará
Veja um suspeito de queimar casas e ameaçar agricultores
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emNo dia 11 de maio deste ano, agricultores do Lote 96, que fica localizado na cidade de Anapu, no sul do Pará, foram vítimas de novo episódio de violência. A comunidade de 54 famílias de agricultores, lideradas por Erasmo Alves Theofilo, denunciou a invasão de dez homens armados que chegaram ao local fingindo ser policiais que fariam uma reintegração de posse numa área equivalente a quase 4 mil campos de futebol.
O território do Lote 96 fica dentro da gleba pública federal Bacajá, um imenso território de mais de 80 mil hectares criado em 1983. Segundo os depoimentos, os homens aterrorizaram moradores e incendiaram duas casas — a Agência Pública já havia relatado em 2021 violência na mesma comunidade.
De acordo com um boletim de ocorrência (BO) obtido pela reportagem, um dos depoentes da comunidade que teve sua casa queimada afirmou que “percebeu quando três veículos, sendo uma caminhonete prata, uma caminhonete branca e um carro preto pequeno, chegaram na sede da fazenda, na casa do caseiro”. Segundo o BO, os homens estariam armados e utilizavam roupas pretas.
Esses homens se identificaram como policiais e chamavam os veículos de viaturas, dizem testemunhas. Eles teriam afirmado às vítimas que fariam uma reintegração de posse — o que foi desmentido em despacho expedido pelo juiz Antônio Fernandes de Carvalho Vilar, da Vara Agrária de Altamira, que afirmou que não havia nenhuma decisão de reintegração de posse autorizada pela Justiça.
Um trecho do BO de ocorrência relata: “Um dos homens se mostrava como chefe do bando, que apenas gesticulava e os outros obedeciam aos comandos, que o esposo da depoente foi separado de sua família pelo grupo como se fossem matá-lo, que apontavam uma arma calibre 12 para o esposo da depoente e para a depoente, que o pistoleiro tremia como se fosse atirar a qualquer instante, que os pistoleiros determinaram que o marido da depoente removesse o que pudesse de sua casa e saísse do local em 20 minutos, depois deram mais 10 minutos, que assim que retirou seus pertences atearam fogo na casa”. De fato, vídeos mostram os moradores da comunidade consternados em meio às casas destruídas pelo fogo após a invasão dos supostos policiais.
Segundo Erasmo, duas viaturas da polícia com alguns policiais teriam chegado na comunidade a tempo de encontrar os suspeitos na região. Os policiais, no entanto, não efetuaram nenhuma prisão. Não há relatos de pessoas feridas no episódio.
O próprio Erasmo diz que se deparou com os algozes no dia da invasão. “Disseram que compraram a fazenda e ninguém ia ficar aqui dentro. Eu fiz o esforço perigoso de ir de moto filmar, de me arriscar com os companheiros, a polícia está com o material”, informou.
Um dos carros utilizados pelos homens foi abandonado no local. “Alguns homens correram pro mato quando viram que tinha mais gente chegando”, relata Erasmo.
A Pública teve acesso às imagens de um dos automóveis apreendidos pela polícia. É uma caminhonete prata MMC L200, Triton SPT GLX, ano 2018. Dentro do veículo foi encontrado o documento de identidade de Bergues Amorim Chaves, 36 anos, que tem moradia declarada em Pacajá, cidade a pouco mais de 70 km de Anapu.
Pela imagem da identidade, três testemunhas relataram a Erasmo — informação confirmada pela Pública — que Bergues estaria entre os dez homens que queimaram as casas e ameaçaram os agricultores naquela manhã de 11 de maio.
Segundo um dos relatos feitos à reportagem, a identificação de Bergues só foi possível porque os homens teriam coberto o rosto apenas quando da chegada de moradores que exigiram a identificação deles como policiais, o que não ocorreu. A testemunha, que não será identificada, afirmou ter tido medo de falar sobre o suspeito em depoimento policial.
A reportagem apurou que Bergues possui ainda registro de arma de fogo ativo no Ministério da Justiça com emissão recente, de abril deste ano, e com validade até abril de 2032. O modelo da arma registrada no nome do suspeito é uma RT627, da marca Taurus.
Procurado por telefone, Bergues informou que não sabia de nada, que morava em Belém e desligou o telefone. Numa segunda ligação, um recado foi deixado, mas Bergues não retornou até esta publicação.
A reportagem procurou a Secretaria de Segurança Pública do Pará para saber qual a Delegacia Especializada em Conflitos Agrários (Deca) à frente do caso. Também foi solicitado detalhes da investigação em andamento e se Bergues é considerado suspeito de envolvimento na invasão ao Lote 96.
Em nota, a Polícia Civil informou “que o caso está sendo investigado por meio da Delegacia de Conflitos Agrários do município de Marabá. A PC ressalta que o trabalho investigativo segue sob sigilo”. A reportagem não obteve informações sobre os outros invasores da área.
Em fevereiro, segundo reportagem da Repórter Brasil publicada no último dia 27 de maio, o mesmo lote 96 tinha sido palco da atuação irregular do atual delegado responsável pela Deca de Altamira, Ivan Pinto da Silva, que já foi o titular da Deca de Marabá. A Polícia Civil do Pará confirmou à Repórter Brasil que o delegado responde a investigação interna.
Desde 2015, 16 trabalhadores rurais foram mortos em Anapu, segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT). A região é a mesma onde a missionária norte-americana Dorothy Stang foi assassinada há 17 anos, em 2005.
Segundo o Mapa dos Conflitos, uma ferramenta da Pública em parceria com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o município de Anapu registrou entre 2010 e 2021 mais de 150 ocorrências de conflito. E não é de hoje que os agricultores do Lote 96 tentam fazer seus assentamentos sustentáveis em áreas públicas destinadas à reforma agrária. Segundo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), a área em questão é uma terra pública e deve ser destinada a esse fim, mas está em disputa há vários anos com o fazendeiro Antônio Borges Peixoto (falecido) e seu espólio.
Segundo o Ministério Público Federal (MPF), a área está “em processo de se tornar um assentamento de reforma agrária e já foi feita vistoria no imóvel, com posterior confecção de um laudo agronômico de fiscalização” — informação confirmada pela defensora pública agrária à frente do caso, Bia Albuquerque. Ela explica que agora o Incra deve produzir um Laudo Agronômico de Fiscalização, o que habilita a terra a ser destinada à reforma agrária definitivamente.
Vítima de paralisia infantil, Erasmo não pode caminhar por não ter movimento nas pernas. Jurado de morte, a liderança entrou para o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos no Pará. O motivo: ele já sofreu três atentados em mais de 11 anos na região, além de inúmeras ameaças.
Em 2019, após ter tentado assassinar Erasmo, um homem conhecido como “Queima Barraco” foi morto numa troca de tiros com a Polícia Militar. No final de 2019, conflitos na região vitimaram duas lideranças, amigos próximos de Erasmo, situação relatada pela Pública.
Em 2020, em novo atentado, Erasmo precisou sair de Anapu. A liderança disse que “virou um hábito” queimarem casas sem ninguém ser investigado e punido. “Além dessas, já foram umas três casas queimadas no ano passado.”
Segundo informações do G1 do Pará, a Justiça paraense fez uma inspeção na área de conflito no dia 28 de maio. O juiz da Vara Agrária de Altamira, Antônio Villar, foi à área do Lote 96 ouvir as famílias. Sob escolta policial, o juiz conversou com moradores e ouviu relatos de lideranças, entre elas Erasmo, sobre ameaças, risco de morte e insegurança no local. A advogada da família do fazendeiro Antônio Borges Peixoto, que reivindicou na Justiça a posse da terra, também acompanhou a visita do juiz.
Desde o episódio de violência, a insegurança voltou a cercar Erasmo e as 54 famílias do Lote 96. O agricultor enviou à reportagem pedido escrito de próprio punho, assinado pela comunidade, que foi encaminhado ao programa de proteção do qual faz parte. Na carta, ele pede que o policiamento determinado judicialmente após a invasão de 11 de maio seja cumprido.
Segundo Erasmo, não há escolta presente no local há dias. “Estou falando com você, mas, se chegar um pistoleiro aqui, terei de me defender sozinho”, alerta. Segundo Erasmo, a PPDH teria informado a ele que o comandante da polícia estaria com dificuldades de manter a ordem para dar segurança ao local. “Se depender da proteção do Estado, estou morto. Eu não dou mais conta de gritar e não ser ouvido”, diz a liderança do lote 96.
O agricultor se diz cansado da disputa com grileiros e invasores. “Cara, eu te falo, a minha expectativa primeiro é sobreviver, sinceramente. Isso já é uma grande coisa. Eu fiz uma escolha de acompanhar as famílias, e essa escolha, agora eu tô vendo, é caríssima. Estou cansado. Além do risco de vida, estou pagando um preço familiar gigantesco”, desabafa. Erasmo, que mora com a companheira e os pais, é pai de Eduardo, uma criança de pouco mais de 1 ano.