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Foto na moldura

Velha imagem mostra que orgulho mata sonhos

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Autor/Imagem:
Eduardo Martínez - Foto Rodrigo Martínez

Assim que as pessoas entravam naquela residência, a despeito de alguns quadros de artistas famosos pendurados nas paredes, tinham a atenção voltada para aquela fotografia em preto e branco em uma pequena moldura gasta na mesinha ao lado do amplo sofá. Não que fosse um retrato digno de nota, pois não passava de mais um desses tantos que são batidos sem qualquer cuidado, mas apenas para marcar mais um dia fadado ao esquecimento.

Uma menina sorridente exibindo toda a sua magreza, como se fosse uma bailarina tentando dar os primeiros passos para a fama. Era óbvio, no entanto, que o sucesso chegou ou, então, fora herdado, tamanho o luxo daquela sala, que era apenas o prenúncio de uma vida repleta de riquezas da agora senhora Ofélia. Sim, isso mesmo! Ofélia, agora com quase 60, que um dia havia sorrido para a lente desfocada de seu pai.

Quase afundada de tanto tédio no sofá cor de vinho, Ofélia não tirava os olhos do retrato ao lado, como se buscasse aquela menina, que há tempos a havia abandonado. Enquanto isso, os repórteres ao redor aguardavam que a famosa escritora, atriz, cantora, compositora, diretora de inúmeros filmes de sucesso se pronunciasse. Nada! Nenhuma palavra.

O silêncio naquela sala parecia fadado à eternidade, caso não fosse pelo descuido de um iluminador, que se deixou engasgar com a própria saliva. Todos se voltaram para o rapaz, que mal chegara aos 20, talvez 25. Tímido, ele buscou desviar o olhar das pessoas, que, agora, o repreendiam. Acabou por fitar o retrato da menina Ofélia.

– Quantos anos você tem, meu jovem?, Ofélia falou pela primeira vez.

– Vinte e três.

– Sei que já tive a sua idade, mas não me lembro. Sei dos meus 10, 12, 18. Mas é como se uma névoa encobrisse todos os acontecimento seguintes. Estava correndo atrás dos meus sonhos, que eram muitos. Sei que os tinha aos montes, pois os prêmios que estão espalhados por esta sala não me deixam mentir.

– A senhora deve sentir muito orgulho por todas essas conquistas.

– Orgulho? Talvez sim, meu rapaz. Mas o orgulho, como dizia meu saudoso pai, é o prenúncio do fracasso, pois ele mata seus sonhos.

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