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O quadro torto

Velha mansão do Entorno tem história de arrepiar

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Autor/Imagem:
Eduardo Martínez - Foto Irene Araújo

As gerações se sucediam naquela família, que permanecia na mesma mansão isolada por muros elevados. A vizinhança há anos comentava sobre os misteriosos eventos que, de tempos em tempos, aconteciam por detrás daquela muralha de pedras, onde os musgos lhe conferiam um ar ainda mais sombrio.

A enorme placa no portão dizia que aquela propriedade havia sido construída em 1884, bem antes do traçado do quadradinho da Capital, mas muita gente insistia em afirmar, categoricamente, que datava do século XVII. Seja como for, todos sabiam que ali fora palco do crime que abalou toda uma época: o assassinato de Matilde Rossi, primeira esposa do Comendador Tommaso Giordano.

O casal não deixou herdeiros, já que Matilde, apesar de pronunciada gravidez, foi flagrada com outro na cama. Tommaso, num ataque de fúria, estrangulou a esposa, enquanto o amante, o belo Mattia, escapulia pela janela do majestoso sobrado.

O Comendador mandou construir um mausoléu de mármore sob uma araucária. O caixão, lacrado, foi depositado enquanto uma pequena plateia chorosa lamentava a perda precoce da senhora, que, até então, ninguém sabia ser adúltera. Quanto ao Mattia, não se sabe ao certo o que lhe aconteceu.

Uma das versões é de que o amante, depois de fugir da alcova, fora encontrado após dois dias escondido em uma mata próxima. Após horas de tortura, seu corpo teria sido esquartejado e deixado para que as onças dessem cabo de suas carnes. Um triste fim para um rapaz tão formoso e apreciador de beijos, carinhos e afagos.

Distinta história, no entanto, aponta para outra direção. Mattia, sabedor do que poderia lhe acontecer, teria fugido para o Rio de Janeiro. Segundo consta, o pé de pano foi acolhido por uma ou duas senhoras, talvez viúvas, e passou o tempo deitando-se em uma eterna vida de luxúria.

Como não poderia deixar de existir, uma versão mais simplória afirmava que o jovem havia retornado para a sua cidade natal, Paola, no extremo sul da Itália. Sem dinheiro para a passagem, Mattia teria trabalhado de ajudante de cozinha do vapor. Não se sabe ao certo seu destino a partir desse ponto. Todavia, não são raras as suposições de que ele teria se tornado o preferido de alguma ricaça.

Apesar de pairar dúvidas sobre o destino de Mattia, parece certo o que teria acontecido com a pobre Matilde. Logo após retirar suas mãos do pescoço da esposa, Tommaso constatou que ela não apresentava mais sinais de vida. Nenhuma respiração, nenhum pulsar, apenas o corpo inerte, apesar de ainda morno.

O marido traído mandou chamar Francesco, seu homem de confiança. Sem alarde, contou-lhe somente o necessário. O machado foi primorosamente afiado e, num golpe certeiro, o empregado cortou a cabeça da adúltera. Esta foi posta em um saco de estopa e levada para o galpão. Em seguida, foi depositada em um enorme frasco de vidro com formol, que Tommaso havia guardado para suas experiências de conservação de restos de caças.

Após o enterro do corpo mutilado de Matilde, o Comendador ordenou que lhe trouxessem outra italianinha. O casório aconteceu em menos de um ano. Tiveram oito filhos, mas somente a única menina sobreviveu. Os sete varões morreram, um a um, de maneira misteriosa.

O primogênito caiu da janela do sobrado, a mesma janela por onde Mattia havia se livrado das garras do Comendador. Lorenzo, o segundo na linha de sucessão, teve o crânio esmagado por um enorme galho da araucária que fazia sombra na tumba de Matilde. O terceiro, o quarto e os demais também não escaparam. Todos mortos antes de completarem sete anos.

A pequena Giulia sobreviveu e, antes de completar 16, foi desposada por Giuseppe Esposito, um próspero comerciante. A felicidade do casal parecia completa com o nascimento do primeiro filho, Carluccio. Todavia, o menino não chegou aos seis meses. Foi levado por uma febre de mais de 40 graus.

Giulia, apesar do enorme sofrimento, engravidou mais três vezes. Todos meninos, todos mortos antes dos sete. Até que, finalmente, veio a pequena Alice, única sobrevivente. Herdou tudo, cresceu formosa, casou-se. A sina continuou, pois apenas a única filha vingou. Todos os meninos morreram nos primeiros outonos.

O mistério continua pairando sobre aquela família. Ninguém sabe ao certo o real motivo por tantas tragédias. Há os que afirmem que a culpa disso tudo é daquele quadro, que ainda está na ampla sala de jantar. A moldura, de vez em quando, tomba para a esquerda, como se anunciando cada morte. É o rosto de uma bela mulher, cujos olhos parecem sonhar com o filho ainda no ventre.

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