Gilberto Amaral
Velho, meu querido amigo velho, de fogo e amor
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emRelembrar o passado é um vezo humano que vem desde o tempo em que aprendemos a falar, isto é, vem de eras imemoriais. Precisamos recordar para saber por que estamos neste mundo de Deus. Nos primórdios, relembrava-se oralmente, em volta do fogo, o avô contando para o pai, este para o filho, e assim a memória não se apagou, como a fogueira das cavernas um dia se extinguiu.
A escrita aprimorou o vezo útil de recordar o passado, deu-lhe formas, estilos, beleza. Mas, seja no papiro ou no papel, a lembrança criou a documentação histórica. Mas a memória muitas vezes não é nua e crua como em volta da fogueira. Enquanto a oralidade em torno do fogo sagrado era livre e solta, sem peias, com a escrita nasceu também um sentimento novo; vamos chamá-lo prudência.
Esta foi uma arte assimilada pela mineiridade, e Gilberto Amaral, cioso do berço de São Sebastião do Paraíso, nem sempre sabia exercitá-la. Falou sempre o que pensava. Era sincero, genuíno, como eram aqueles em volta do fogo.
É o que me vem na cabeça ao passar em revista a vida de Gilberto como jornalista e cidadão, esse Gilberto que se despediu de nós.
Gozei, há décadas, do amoroso privilégio da companhia dele. Era o irmão primogênito. Acompanhei em muitos passos a carreira brilhante do jornalista que comandou o andar da carruagem social e política em Brasília. Respeitado no andar de cima, pela influência a partir do que ele escrevia diariamente há mais de 50 anos, e querido no andar de baixo pela generosidade com que acolhia o seu semelhante desafortunado. Gilberto era um ser bom de nascença.
Nunca teve papas na língua. Ele herdou o espírito da fogueira. Na verdade, um título que cairia bem no seu livro de memórias que ficou inédito, seria: “Até onde posso contar”, ou então “Quase tudo que sei”. Não se trata, aqui, de confrontar a sinceridade de Gilberto. Ela é indiscutível. Tudo, nas memórias de Gilberto, sairiam de seu coração puro, da sua alma aberta no trato com a humanidade que o cercava, seja a autoridade da Praça dos Três Poderes, um mendigo do Setor Comercial Sul ou um funcionário do hotel de Moscou onde passamos dias inesquecíveis no degelo de Gorbatchov.
Embora não tivesse travas na língua, Gilberto tinha prudência. Por isso não se esforçou em escrever todas as memórias. Pois, se as contasse, em letra de forma, do mesmo modo como relembrava o passado em volta de nossa fogueira pessoal, a República estaria em perigo.
Gilberto foi vitorioso homem de comunicação – rádio, jornal, televisão e redes sociais. O multimídia Gilberto atuou nos quatro ramos da imprensa. Carregou em sua cabeça um testemunho valioso, uma visão, ainda que pessoal, sobre o passado de nossa cidade, do Brasil e dos muitos povos que conheceu.
Gilberto era um homem forjado no trabalho; respirou a poeira do cerrado quando nascia a Nova Capital da qual se tornaria narrador e personagem de sua história. Jamais abandonou a mineiridade nata de São Sebastião do Paraíso. Mas, de corpo inteiro, foi um cidadão do mundo, faceta do admirável jornalista que um dia recebeu o honroso título de A cara de Brasília. Parabéns, Gilberto Amaral, pela vida plena de realizações, amorosa vida em família, lealdade com os amigos. Adeus, meu irmão mais velho! Beijo.