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Enfeite de carnaval

Velhos fazem peripécias no paradisíaco mundo erótico

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Autor/Imagem:
Wenceslau Araújo - Foto Reprodução/Revista Arco

Sei que, querendo ou não, vamos envelhecer. O problema é que, tão logo somos informados disso, nos imaginamos com as pernas pesadas, a coluna doendo, a estatura diminuindo o colesterol e o triglicerídeo aumentando. Os estudiosos e especialistas do assunto chamam isso de idade do “esse”, embora todos os sufixos sejam escritos com a letra C. Não importa. De forma didática, é a fase em que o espelho empretece, o cabelo embranquece, o osso adoece, o joelho endurece, o lábio escurece, a barriga cresce, a memória esquece, a hemorroida engrandece, a pelanca desce, o juízo desaparece, o dedo amolece, o ovo padece, o bilau desapetece, a mulher se oferece e a gente agradece. Ah, se eu pudesse. São as senhas para uma nova fase da vida.

Apesar dos percalços físicos, emocionais e sexuais, temos de vivê-la com galhardia. Bem sei que é difícil, mas o que fazer? Hoje mesmo, depois de duas tentativas, ele permaneceu duro feito ferro. Não amolecia nem com reza forte. Joguei fora e decidi não comprar mais a tal marca de feijão. Contando essas histórias que só acontecem comigo, é impossível não lembrar das estórias psicossexuais e psicoterapeutas de vovô. A mais engraçada – e mais teratológica – ocorreu quando ele já tinha mais de 90 anos. Uruguaia fogosa, vovó, com 86 primaveras, inventava posições que até hoje não tive coragem de experimentar.

Uma delas quase calou o nonagenário português para sempre. Sem imaginar o perigo do experimento, vovó, já em êxtase, pediu ao vetusto vô para que ele apagasse a lamparina e lambesse. Como o véio entendeu tudo errado, acabou queimando toda a boca. A chapa teve de ser trocada no dia seguinte. É isso que dá querer vulgarizar a vida a dois. Usando o caso de vovô, não é difícil associá-lo à maioria dos menos jovens. Sem os naturais recursos para salgar a picanha, talvez os homens da idade da razão não consigam mais comer uma suculenta rabada, se engalfinhar com uma carnuda chuleta, tostar uma maminha, tentar uma galinha à cabidela ou mesmo mirar numa coxinha ao molho.

Para estes, além do muro das lamentações defronte aos quartéis das grandes cidades, recomendo uma chupetinha sem molho, um pudim de pão manchado da Grã-Bretanha, uma fraldinha temperada ou um lagarto à Belle Meunière. A sobremesa pode ser um pão com mortadela recheado com leite condensado. Para nossa sorte, a longeva e queridíssima escritora Adélia Prado nos traz boas notícias. Uma delas é que a alma pode permanecer com o humor dos 10, o viço dos 20 e o erotismo dos 30 anos. Segundo ela, o segredo não é reformar por fora. “É, acima de tudo, renovar a mobília interior, tirar o pó, dar brilho, trocar o estofado, abrir as janelas, arejar o ambiente e não se escravizar”.

Parafraseando a notável Adélia Prado, não tenho mais tempo para erotismos. Aliás, nem em pensamento, embora a mente seja o órgão mais erotizado do corpo. Erótica é minha alma, “que se diverte, se perdoa, que ri de si mesma e faz as pazes com sua história”. Passados os melhores anos de minha vida, perdi os pudores e o medo das dores, mas o máximo de sensualidade que consigo hoje é me despir de preconceitos, descabelar as intolerâncias, envernizar o código de barra acima dos lábios e, me fazendo de gago, enxoxotar os desafetos.

É por aí que eu vou. Sei que o homem só percebe que está ficando velho quando seus sonhos eróticos são reprises. É a idade em que a razão diz uma coisa e o corpo pede outra, a cabeça proíbe, mas o corpo desobedece. Enfim, é a fase em que a Tonga da Mironga perde de vez o contato com o Kabuletê. Triste, mas é aí que o Bumbum, Paticumbum, Prugurundum deixa de ser apoteose e vira apenas um enfeite de carnaval. Como mais vale um galo no terreiro do que dois na testa, assumo que preciso urgentemente de um adjutório. Ainda que me ache um Fusca, aquele em que o importante é o estado de conservação, pretendo envelhecer pintando o sete, independentemente das cerdas do pincel. Estou curado. Portanto, já estou no lucro. Então, por que ficar sarado para lacrar?

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