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Convidado de honra

Velório no Rio tem cenário fúnebre da sedução

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Autor/Imagem:
Wenceslau Araújo - Foto Reprodução

Acompanhado à falência da cidade e do Estado do Rio de Janeiro, um dos maiores eventos das classes C e D está reduzido a uma limitada e tristonha reunião de família. Mesmo assim quando esta consegue ser avisada e não é assaltada antes do destino. Embora possa parecer macabra e nauseabunda, a referência aos antigos velórios da também antiga Guanabara é das mais festivas, considerando que o carioca é o povo que melhor encarna o conceito da espiritualidade sobre a morte. Em vez da tristeza recorrente e natural, um funeral deveria ser um evento, algo como o lançamento de uma candidatura capaz de mudar os rumos de uma nação sofrida e abandonada. Qualquer semelhança com o Brasil será mera coincidência.

Sei que, doutrinariamente, essa recomendação beira uma heresia para pais, filhos, irmãos, viúvas, viúvos e afins. Respeitando meus pais já falecidos e minha santa família, podem me xingar do que quiserem. Só não aceito a alcunha de paneleiro, referência nada positiva dos portugueses do Sul aos patrícios do Norte. O resto pode. Apenas para ilustrar, desde menino convivo festivamente com alguns dos principais acontecimentos brasileiros. Nascidos no subúrbio do Rio de Janeiro, carnaval, futebol, rodas de samba, macumba, velório e virada de laje com angu à baiana eram, historicamente, espetáculos com público garantido na Zona Sul e nos subúrbios do Rio de Janeiro. Talvez a ordem seja inversa. Pouco importa. Importante era a “festa”.

Peça mais importante da celebração, no meu tempo defunto era um misto de anfitrião e convidado de honra. O dito cujo não se pronunciava, mas, de vez em quando, era lembrado, principalmente quando a viúva ainda garantia boas salivadas. Refiro-me à osculação nas bochechas. Eita povo que só pensa naquilo! Sabíamos de cor a ordem do dia no ouvido da santa agora sem marido: Partiu dessa para melhor, mas, precisando, sabe onde me encontrar. Normalmente funcionava. Mas só para alguns. O fato é que, menino, adolescente, jovem e adulto, não perdia um velório, conhecido naqueles áureos tempo por “gurufinho”. Era um “prazer”, uma presença quase humanitária, prestar solidariedade aos familiares do morto. É claro que abraçar e consolar viúvas chorosas era o forte da minha rapaziada. O meu também.

Lembro como se fosse hoje, as boas viúvas do bairro, terço nas mãos e debruçadas sobre o esquife do amado esposo, choravam com um dos olhos abertos. Normalmente era o direito. O esquerdo demarcava terreno, tentava descobrir sirigaitas, procurava algum provável futuro pretendente e, naturalmente, monitorava eventuais golpistas defuntistas. Os mais velhos jogavam buraco e porrinha (palitinho), tomavam muita cachaça e café. Só faltava o forrozinho para completar o cenário fúnebre da sedução. Enfim, qualquer velório era uma festa, como deveria ser até hoje não fosse a extremada violência das grandes cidades, particularmente da outrora Cidade Maravilhosa. História de bêbados pululavam no recinto. Real, uma delas revela o estado de espírito e a rapidez de raciocínio de um bebum.

Agarrado à cabeceira do caixão do amigo, foi informado que chegara a hora da partida para a morada final. Obrigado a sair, deu a soluçada final, momento em que as dentaduras superior e inferior caíram sob a cabeça do defunto. Sem ter como pegá-las, foi rápido e rasteiro: “Vá em paz, meu irmão. E leve com você o meu último sorriso”. Ficou banguela, mas feliz. Vale registrar que as boas casas do ramo não enriqueciam tanto quanto hoje, quando pagamos taxas sobre as taxas das taxas que justificam as tachas da urna mortuária. Lembro de uma famosa, cujo slogan era fantástico: “Quem é vivo sempre aparece”. E apareciam aos borbotões. Ainda saudoso da adolescência quase fúnebre, dia desses, já em Brasília, vi um anúncio de falecimento e lá fui ver como eram os gurufinhos na cidade.

Chegando à capela, chequei o nome do indigitado: Luiz Bayer. Era o mesmo de um antigo reclame (comercial). De cara, dei de cara com a cara do defunto e com meia dúzia de sorridentes acompanhantes, a maioria homens. Não sei se eram parentes, amigos ou agregados, mas, pelo tipo da conversa, o morto parecia abonado e certamente havia deixado alguns precatórios a receber. Aproximei-me e disse aos presentes que estava ali em nome da confraria do bem. Sozinho, chorei quase meia hora sobre o caixão do desconhecido cidadão. Ao perceber que ninguém estava entendendo nada, confessei meu gesto de compaixão e solidariedade. Meus companheiros de infortúnio, a verdade é que não conhecia o Luiz, mas ao saber de sua passagem corri para cá, pois aprendi com minha avó que se o cabra é Bayer é bom.

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