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Situação piora na Venezuela e cresce onda de saques

Foto: Meridith Kohut/The New York Times

De dentro da sufocante cabine de um caminhão, Carlos Del Pino presenciou como um de seus colegas foi interceptado no meio de uma rua por cerca de 20 pessoas, algumas delas armadas, que o obrigaram a parar o veículo cheio de milho a granel para saqueá-lo.

Este foi mais um episódio na crescente onda de ataques a comércios, fazendas de gado e veículos de transporte de carga carregados com qualquer produto que estremecem a Venezuela nas últimas semanas.

Venezuelanos tentam saquear caminhão carregado com arroz na cidade de Puerto Cabello; com a crise, registro de saques e roubos disparou em 2018
Venezuelanos tentam saquear caminhão carregado com arroz na cidade de Puerto Cabello; com a crise, registro de saques e roubos disparou em 2018.

“Foi uma coisa de (filme) de terror”, disse Del Pino ao lembrar dos momentos de angústia que viveu. Caminhoneiro há 14 anos, ele diz que em um mês bom consegue ganhar o equivalente a US$ 100, o que é suficiente para manter sua mulher e as duas filhas do casal.

Apesar de temer por situações como a que presenciou, Del Pino diz que entende o desespero de seus compatriotas em razão da grave escassez de alimentos e da inflação galopante que atinge o país e, segundo estimativas do FMI, pode chegar a 13.000% neste ano.

“Eles têm que saquear para comer”, afirmou. Os saques esporádicos e os protestos por falta de alimento, realizados por pobres que passam fome, aumentaram vertiginosamente nas últimas semanas na Venezuela, país onde os tumultos se tornam cada vez mais comuns.

Estes atos recentes, no entanto, foram protagonizados por um público diferente do que participou da onda de protesto no primeiro semestre do ano passado com o objetivo de tirar o presidente Nicolás Maduro do poder – naquela ocasião, as manifestações eram organizadas principalmente pela classe média venezuelana.

“Estes protestos são feitos por pessoas das classes mais baixas que simplesmente não têm dinheiro para comer”, diz David Smilde, pesquisador sênior da ONG Washington Office on Latin America (WOLA), que estuda o país há décadas. “Eles querem alívio, mas não necessariamente para forçar a saída de Maduro.”

Nas duas primeiras semanas deste ano foram registradas aproximadamente 110 ocorrências de saques a comércios e caminhoneiros, superando em mais de cinco vezes os registros de janeiro de 2017 – os incidentes violentos nas primeiras semanas de 2018 deixaram ao menos cinco mortos.

Este total de ocorrências também supera amplamente os dados de relatórios para o mesmo tipo de crime nos meses de janeiro entre 2014 e 2016, segundo o Observatório Venezuelano de Conflitos Sociais (OVCS).

O salto da cifra de saques causou inquietação entre opositores e pesquisadores, como Marco Antonio Ponce, diretos do OVCS. Segundo ele, os ataques contra as propriedades já não se concentram nas grandes cidades e se estenderam também para pequenos povoados e estradas vicinais de todo o país.

Em meio à crise, as centenas de estradas que atravessam o país de um extremo ao outro se transformaram no lugar favorito para que povoados inteiros e grupos de delinquentes saqueiem a carga de veículos que se acidentam ou sofrem algum tipo de pane.

De dezembro a janeiro, foram reportados ao menos quatro incidentes diários de caminhoneiros que foram assaltados ou saqueados em estradas, disse Emidio Palumbo, presidente da Câmara de Transporte Pesado do Estado Costeiro de Vargas.

Palumbo indicou que o setor de transporte de cargas, especialmente no caso de alimentos, teve que recorrer à Guarda Nacional Bolivariana e à polícia – em operações envolvendo dezenas de funcionários do Estado – para tirar os caminhões das fábricas, armazéns e portos venezuelanos.

Ele também disse que algumas empresas foram obrigadas a contratar vigilantes particulares para escoltar os caminhões pelas estradas enquanto que outras optaram por fazer o transporte durante a noite ou em grupos para tentar reduzir a ocorrência de saques.

Para o sociólogo e pesquisador Carlos Aponte, os saques registrados atualmente no país são muito diferentes dos ocorridos em 1989, que deram origem ao episódio conhecido como “Caracazo”, quando cerca de 300 pessoas morreram durante repressão de forças de segurança a eventos deste tipo na capital venezuelana.

Para Aponte, os saques dos últimos meses ocorrem no contexto de uma deterioração econômica e social “substancialmente mais séria” do que a ocorrida em 1989.

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