Com algumas exceções, o brasileiro tem vocação pela mentira, comprovadamente uma das cinco ou seis compulsões já estudadas. Prova disso é que, tradição do calendário Gregoriano, no século XVI, até hoje o dia 1º de abril é marcado por brincadeiras, pegadinhas e histórias que não são verdadeiras. Provavelmente não somos os únicos, mas certamente estamos na linha de frente dos povos que, pela necessidade da mentirinha ou da mentirona diárias, não têm mais o Dia da Mentira como algo a ser comemorado. Fora aqueles vocacionados para enganar os bobos, nem mesmo os meninos de quinta série levam a data a sério.
Eu queria ter contado uma mentira no 1º. de abril. Por exemplo, deveria ter dito que nossos políticos se renderam à verdade. Também poderia ter mentido sobre o carinho dos “patriotas” pelos duendes “comunistas”. Acho que, de fato, perdi a chance de informar à sociedade que Jair Messias e seu grupo brincaram no 8 de janeiro de 1º. de abril. Diante das evidências contra minhas propostas de discurso e na certeza de que choveria no molhado, preferi ficar calado. Em lugar de acompanhar a massa e faltar com a palavra dada todos os dias, optei por usar o primeiro dia de abril para ficar em silêncio e aguardar o desfecho do julgamento de Sérgio Moro, o mentiroso do Paraná. Ele já teve um voto a favor, mas faltam seis. Para ilustrar, sua excelência tem todo o TSE na sua cola.
Fiquei de boca fechada até lembrar que, antes de um estudo mais aprofundado da etimologia da palavra mentira, boa parte dos nacionais mudou a preferência. Em nossos dias, ninguém mente mais. Hoje o mantra é a denominação fake news. Não tive tempo sequer de apelidar o 1º. de abril como o Dia do Político Brasileiro. Eles se anteciparam e já me responderam: Políticos ruins não caem do céu. Eles são eleitos. É verdade. Como não há argumento contra os fatos, que me perdoem os bons (se é que há algum), mas se político fosse bom o povo estaria por cima da carne seca. Está debaixo por acreditar nas verdades lavajatistas dos Sérgios Moros da vida.
Embora seja obrigado a me render à categoria dos mentirosos por definição, devo rememorar a tese do escritor José Saramago, cujo conceito assertivo dos políticos é que eles são a mentira legitimada pelo povo. É a mais pura verdade. Adepto da filosofia de bordel, às vezes também me apego às frases de efeito dos pensadores, principalmente quando os temas são a mentira e a política, irmãs siamesas em um país que prima pela arte de mentir. E, afinal de contas, o que é uma mentira? Posso estar mentindo, mas, a meu ver, é apenas a verdade mascarada.
Com relação aos políticos, sigo a máxima de Millôr Fernandes, para quem as pessoas que falam muito mentem sempre, porque esgotam seu estoque de verdades. Mentira? Longe de mim querer pegar no pé dos políticos, mas são eles que, ao contrário dos artistas, usam a mentira para esconder a verdade. A Lava Jato e seus personagens não me deixam mentir. Querem confirmação mais óbvia do que aquele presidente que se fez de santo durante quatro anos, quando, na verdade, era o próprio demo. Será que fiz bem em lembrar do 1º. de abril somente como o maior inimigo da linguagem clara? Certamente que sim.
Como usei o 1º de abril para sair da Hungria de Viktor Orbán, com escalas na Turquia de Recep Erdogan e na Rússia de Vladimir Putin, esqueci de pontuar no Dia da Mentira um dos engodos mais escondidos dos últimos tempos: a extrema-direita defende a liberdade. É a maior mentira que já houve no mundo. Nas aulas de catecismo dessa turba sem nexo, os ensinamentos sociológicos são naturalmente claros: se você tem algum mérito na política, eles tiram. Se você não tem, eles dão. Resumindo, poucos são aqueles que entendem direito o que é política e o que é religião. No entanto, o Brasil e o mundo têm um monte de tolos se matando por elas. Então, para que o 1º de abril se aceitamos mentiras todos os dias? Sérgio Moro que o diga.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978