De cagada em cagada, por muito pouco o Brasil não virou um aterro sanitário. Este deveria ser o título de um livro que, acredito, muita gente já pensou em escrever, mas faltavam argumentos, confirmação de nomes, a certeza do que se iria escrever, provas concretas, além do respeito aos direitos de defesa e do contraditório. Se havia dúvidas em relação a tudo isso, a ação da Polícia Federal nesta quinta, 8, jogou ladeira abaixo as insistentes argumentações dos “patriotas”, ao mesmo tempo em que arquivou no fundo do baú todas as preocupações de eventuais escritores acerca de futuras contendas judiciais. As entrelinhas do processo da PF deixam claro que, graças aos bons “cagões”, a cagada que iria feder pelo resto de nossos dias não se consumou.
Está escrito no versículo 171 da Bíblia da PF que, um dia, os brasileiros conheceriam a verdade e que ela bateria à porta dos fora da lei às seis horas da manhã. Esse dia chegou. Não sei quem pensou primeiro em transformar a recente história do país em literatura. Pouco importa. Importante é que, a meu ver, escritores amadores e profissionais tiveram a mesma ideia: contar com riqueza de detalhes o longo tempo em que o ex-presidente Jair Bolsonaro, meia dúzia de militares responsáveis pela incitação da banda podre das Forças Armadas, parlamentares baba ovos e “patriotas” travestidos de bandidos pensaram em afundar a nação que tanto diziam amar. Inquestionáveis e absolutamente legais, os dados estão aí e, ainda que queiram, não serão refutados.
Conforme os autos, os que agiam fora da legalidade chamaram de “cagões” os generais e demais militares sérios e honrados que não aderiram à intifada. Entre as primeiras intenções dos mal- intencionados que geriram a fracassada tentativa de golpe de Estado, a prisão dos ministros do STF Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, além do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), era posição fechada. Foi aberta por conta do lampejo cristão de Jair Bolsonaro que, ao fazer a leitura final da minuta, pediu para retirar os nomes de Gilmar e de Pacheco. Ordenou, porém, a manutenção da forca para Alexandre de Moraes. Ordem dada, ordem cumprida.
O que Jair Messias e seus considerados não imaginavam é que a contraordem de Xandão já estava no prelo. E o Kojak da Avenida Paulista agirá como um famoso personagem do faroeste norte-americano dos anos 60: Se encontrar Sartana, reze por sua morte. Obviamente que Xandão não chegará a esse exagero. Todavia, antes de se pronunciar sobre o futuro do nobre golpista, ele deve repetir um bordão famoso da ditadura de 1954: “Às favas com os escrúpulos”. Transformada em algo mais palpável ao povão, a frase será sinônimo de recolha até segunda ordem. É o caminho de todos aqueles que, em lugar de esperar por novas oportunidades, preferem o poder à força. Para esses, a inexorável força da lei.
Independentemente de quem abra a contação de histórias rocambolescas, cômicas, animalescas, bestiai9s e jumentícias do grupo golpista, faz pelo menos um ano e meio que os verdadeiros patriotas estão escrevendo a obra que finalmente chegou à página 2. Mesmo com apoio da Polícia Federal e dos generais que honram a farda, o hipotético livro consolidando a democracia na República ainda não havia passado do prefácio. Ou seja, sabiam muita coisa a respeito da movimentação e das ações dos articuladores, financiadores, estimuladores e executores do golpe. Sabiam também que o golpismo começou a partir das fake news contra o sistema eleitoral. No entanto, faltavam provas físicas, técnicas, logísticas, viscerais e intestinais da cagada.
Elas, as provas, começaram a surgir quando as urnas eletrônicas passaram a ser utilizadas como “móvel” da ideológica vitimização bolsonarista. O céu de general, brigadeiro e almirante escureceu para os redatores, copys e editores da minuta golpista e clareou definitivamente para os homens da lei por ocasião da covarde fuga do gato angorá para as terras de Tio Sam. Fugiu, mas determinou que os ratos, paisanos ou não, se mantivessem em prontidão até que o presidente Luiz Inácio, eleito por maioria de votos, fosse derrubado. Como diz o poeta de botequim, tudo veio à baila com a operação da PF desta quinta-feira (08).
Depois do prefácio, as orelhas já podem ser encomendadas, preferencialmente àqueles que produziram as teses golpistas, mas negarão participação no “evento” de 8 de janeiro de 2023 até que a morte os separe do corpo amarelado pela vergonha que estão passando. E passarão. Me perdoem os amigos que defendiam – e defendem – a intentona, mas a lei existe para todos, inclusive para militares que se acham superiores ao Estado Democrático de Direito. Na antevéspera do Carnaval de 2024, as máscaras dos fariseus caíram. Ficaram as fantasias manchadas pelos fétidos e esverdeados gargalhos dos que se aventuraram a tomar como seus uma pátria que é de todos. Não sei se já perceberam, mas em uma das orelhas constará o maior simbolismo da vitória da democracia: “Perderam, manés”.
*Armando Cardoso é presidente do Conselho Editorial de Notibras