Tio Pedro, perto de completar 100 anos, nem deve saber o que a parentada estva preparando para o sábado. Mamãe me telefonou e disse, no costumeiro tom de intimação, que é para eu não chegar muito tarde à festa. Nem procurei argumentar que estou atolada de serviço no trabalho, as crianças estão em fase de provas e, para piorar, ando desconfiada que o Roberto, meu marido, está de caso com uma rapariga daqui do prédio. Sem falar que moramos em São Luís, que fica a mais de 350 quilômetros de Caxias, aqui no meu amado Maranhão.
O aniversariante, na verdade, é meu tio-avô, irmão do meu avô materno, falecido ano passado perto de chegar aos 104. Não completou, mas quem é que, em sã consciência, vive tanto tempo? Pois é, vovô, o mais velho dos irmãos, era teimoso pela vida.
Sem perspectivas de inventar desculpas, já que sei que nenhuma funcionaria diante da enxurrada de argumentos de mamãe, tratei de convencer as crianças de que pegaríamos a estrada logo cedo. Nem me preocupei com uma improvável recusa do Roberto, que, certamente por estar cheio de culpa, foi o primeiro a me apoiar. Meu esposo, do alto do cinismo, disse que estava com saudade da minha mãe, com quem nunca se deu bem, mas também não vou ser hipócrita e falar que eram como genros e sogras das corriqueiras piadas.
Para minha surpresa, a viagem foi muito gostosa e, melhor ainda, reveladora. O mau humor de todos parece ter ficado em São Luís. Até a Lúcia, minha filha, que sofre com as mudanças próprias da adolescência, aceitou de bom grado as brincadeiras tão infantis do irmão. A certa altura da estrada, observei-a pelo retrovisor. Seus olhos sorriam e, então, carinhosamente ela beijou o rosto do Marcos.
Eu não queria estragar aquele momento tão doce com a minha família, mas, em uma das paradas, enquanto as crianças escolhiam algo para comer, aproximei-me do Roberto com a intenção de questioná-lo sobre a tal sirigaita. Ele me abraçou, me beijou nos lábios e, sorrindo que nem menino, me confidenciou algo.
— Meu amor, quero te contar uma coisa.
— O quê?
— Ontem fechei um contrato com uma companhia exportadora de tecnologia.
— Você não me falou nada sobre isso.
— É que estava com receio de não dar certo. Mas olha que coincidência!
— O quê?
— Uma das sócias dessa companhia mora no nosso prédio. O marido dela soube que eu sou advogado e que sou especialista nesse ramo. Quem falou para ele foi o seu Zé, o porteiro.
Abracei meu amado e fiel marido como há muito não o fazia. Que homem maravilhoso! Sou uma mulher de muita sorte! Sem falar que ele continua um gato após quase 15 anos de casamento.
Chegamos a Caxias a tempo de almoçarmos com meus parentes. Sentei-me ao lado do tio Pedro. Creio que puxei algo dele: a paciência. A algumas horas de completar 100 anos, o irmão do meu avô teve 15 filhos, 57 netos, 83 bisnetos e 7 tataranetos.
*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.
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