As boas lembranças são prioritariamente o ponto de partida para boas histórias. É como a irmandade entre a vida e a morte: uma começa exatamente quando a outra termina. Lembro com exatidão quando confundia a braguilha do compositor com o compositor Braguinha, o nosso João de Barro, autor de As Pastorinhas, Touradas em Madri, Balancê e Yes, Nós Temos Bananas, entre outras marchas e canções. Foi uma falha impublicável, mas tão rápido como o casamento de Ronaldo Fenômeno com Daniella Cicarelli, consegui reparar o erro e ainda mostrei algum conhecimento musical ao solfejar gratuitamente o refrão de Chiquita Bacana.
Sou do tipo culto itinerante, aquele que forjou sua cultura lendo bulas de remédio e, sentado à beira do caminho, lendo frases nos para-choques de caminhão. Foi nesse contexto que, por exemplo, distingui a diferença entre o champanhe e a batata doce. É elementar, mas só descobri que um faz pum para cima e outra faz pum para baixo observando a picardia do caminhoneiro pensador Ricardão Boca Mole. Obviamente que o apelido é autoexplicativo: Ricardo Oruam (Mauro de trás para frente) só tinha dois dentes na boca. Conforme os amigos, um só doía e o outro servia para abrir garrafa.
Apesar da discrepância bucal, Ricardão era um raparogo e, portanto, grande pegador de incautas nas estradas do país. De falsa freira a transviados, ele já pegou de tudo. Para os mais próximos era a própria reencarnação de Dom Juan. Talvez a do Bocage e até mesmo a de Cristóvão Colombo. Solteiro como o navegador espanhol, por isso mesmo ele é considerado o verdadeiro descobridor do Brasil, país que, de antena ligada, faróis acesos e de para-choque duro, ele já percorreu de ponta a ponta. E põe de ponta a ponta nisso.
Sim, parece piada, mas é verdade. Recentes pesquisas e dossiês das polícias rodoviárias Federal e estaduais revelam ipsis litteris que Oruam Boca Mole só “descobriu” o Brasil porque era solteiro. Se fosse casado, teria desistido da profissão e das viagens ao ouvir coisas desse tipo: “E por que é você que tem de ir?”, “Por que não mandam outro?”, “E só vai homem nessa viagem? Acha que sou idiota?”, “E por que eu não posso ir?” e “Você não sabe mais o que inventar pra sair de casa?”. Tem muitos, mas é melhor parar por aqui, antes que me acusem de defensor dos homens, algo como corporativista.
Os livros de história se limitam a contar o lado bom da descoberta de Cristóvão Colombo. Mais difícil do que convencer as famílias paterna e materna deve ter sido se livrar das pretendentes. Nem noivas eram, mas a maioria se achava dona da vida do coitado. Dizem os historiadores mais afoitos que a mais radical incorporou um caboclo bolsonarista e peitou o Cristóvão com o lombo: “E que bosta de missão secreta é essa? Pode tirar seu cavalinho da chuva. Você não vai a lugar nenhum! Se cruzar esta porta, vou embora para a casa de minha mãe!” A mais ciumenta quis logo saber quem eram as “piranhas” da Pinta, Nina e Maria, “a que se dizia santa”.
O que ninguém contou – e jamais contará por que é suposição – foi a provável reação de uma concubina palaciana, cismada com a rainha Isabel. A moça queria saber se a Bebel é quem iria custear a longa viagem. Fico daqui imaginando a indagação: “O que é que você tem com essa rainha de uma figa que quer bancar seu passeio pela América?” Não a conheço, mas deve ser uma vadia dando em cima de homem casado!” Como sempre nas histórias inventadas, a mais sacana duvidaria da masculinidade do espanhol: “Vai mesmo viajar com essa roupa cheia de rendado e esse chapéu ridículo, com penacho? Me engana que eu gosto!”. Não sei se foi a melhor opção de Ricardão Boca Mole e de Cristóvão Colombo. Eles não se casaram, fortaleceram o sistema imunológico, não tiveram artrite, dor na coluna e rugas, mas não tiveram o principal remédio na vida um homem: o amor de uma mulher.