Pois é, enquanto pairam dúvidas se o Brasil vai ou não para a próxima Copa, eis que o meu companheiro de Notibras, o impagável Wenceslau Araújo, há alguns dias, me veio com essa:
— Edu, creio que o Japão será uma pedreira na próxima Copa do Mundo.
— O Japão?
— Pois é, o Japão. Tudo por conta da passagem do Zico por lá.
Creio que o Wenceslau e eu, que somos quase da mesma geração, caso não fosse por uma década ou mais, nunca veremos o Japão ganhar uma Copa. Mas o que ele me disse me reportou ao meu tempo de menino, quando o Zico ainda corria pelos gramados do Maracanã. É que eu, lá pelos idos de 1977, acreditava piamente que ele e o Roberto Carlos fossem a mesma pessoa.
E antes que alguém diga que sou um louco, faço questão de lembrá-lo de que, naquele tempo, eu estava com 10 anos, e as imagens da televisão não eram tão nítidas como são hoje. Mas eis que a minha esposa, a famosa Dona Irene, passou agora aqui e deu aquela esticada de pescoço sobre meu texto.
— O Wenceslau bebeu? Que mané Japão vai ser pedreira o quê? E que história é essa do Zico ser o Roberto Carlos? Melhor apagar isso, Edu, antes que alguém diga que você endoidou de vez.
— Amorzinho, acho que a Malulinha está te chamando.
— Edu, você sabe muito bem que a Malulinha está na creche. Você a levou. Aliás, você está bem?
— Tô.
— Hum, você pode comprar um xarope pra mim? A minha garganta está arranhando.
Vida de escritor não é fácil. As pessoas pensam que os pensamentos são guardados em gavetas no cérebro. Se forem, já perdi um monte no meio das pilhas de roupa. Seja como for, preciso ir à farmácia antes que a terceira guerra aconteça justamente aqui no meu lar, doce lar.
Finalmente de volta, preciso relembrar o que escrevi. O ano era 1977… Caramba, quanto tempo! Parece que essa época nem existiu! Se eu falar para as minhas filhas, elas vão achar que estou ficando biruta, pois não irão acreditar que eu já tive 10 anos, isso em 1977. E que nessa época ninguém imaginava que um dia os LPs se tornariam obsoletos, que a Gelato iria falir…
Ainda me lembro das pessoas falando que um dia os Beatles iriam tocar juntos novamente. Não, isso foi mais tarde, pois, nessa época, eu nem sabia o que eram, ou melhor, o que havia sido os Beatles. Aliás, de música, eu só conhecia “O dia em que a Terra parou”, “Eu nasci há dez mil anos atrás”, ambas do Raul Seixas, além de uma ou outra do Martinho da Vila, de quem meu pai era fã.
Também tinha “Jailhouse rock”, que um cara se esgoelava na vitrola lá de casa, e me causava arrepios. Depois fui saber o seu nome, mas isso também gerou mais uma confusão na minha mente. É que a minha mãe, ainda em 1977, teve o seguinte interlúdio comigo.
— Você viu?
— O quê?
— O Elvis morreu.
— Qual deles?
— Como assim? Ué, só existe um Elvis!
— Sério?
— Você está bem?
— Mas não são dois?
— Óbvio que não!
— Pelo que sei, tem aquele dos filmes e aquele outro que usa roupa branca… O que tem o cabelo grande e aquelas coisas nas orelhas.
— Costeletas!
— Que nem as que a vovó faz?
— Sua avó faz costelas!
— Eu gosto.
— De costeletas?
— Das costelas da vovó.
Por falar na minha avó, seus pais eram calabreses, que é a região do bico da Itália. Por isso, lá em casa, sempre torcíamos para a seleção italiana quando o Brasil não estava em campo. Mas vovó era apaixonada mesmo pelo Botafogo. Até hoje pairam dúvidas por que me tornei botafoguense, se foi por influência dela ou, então, pelo espírito contestador.
Como meu pai dizia, enquanto o Vasco é o time do povo; o Fluminense, da elite; e o Flamengo, da massa; os rebeldes torcem pro Botafogo. Que seja assim, mesmo porque papai era um homem sábio e entendia das coisas.
*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.
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