Ostracismo futuro
Vida longa a Neymar, o rico que prefere a pobreza de espírito
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emA vida dos outros pertence aos outros. Portanto, não me cabe indagar a segundos, terceiros ou aos quintos dos infernos onde vivem, o que fazem e para quem cedem seus apetrechos pessoais celebridades de qualquer cenário. No entanto, fugindo à minha rotineira despreocupação com aqueles que não me despertam interesse algum, sigo a maioria e também desejo saber se o aprendiz de craque em fim de carreira Neymar Júnior vai se adaptar à vida quase monástica da Arábia Saudita. Mais do que isso, o mundo inteiro está perguntando se, a exemplo do presidente de proveta (a quem apoia com a carteira fechada a cadeado), o jogador será pago em joias e relógios.
Para quem se acostumou a andar pela Europa the bacon a vida, provavelmente o menino cai cai terá dificuldades de adaptação na terra dos sheiks, cuja tara é servir garotos mimados com pão, mortadela e Coca-Cola. Milionário, com expertise acima da média no mimimi futebolístico e provedor do pai encostado e da mãe namoradeira, Neymar é o típico atleta que só deu certo com arrecadador de bufunfa. Claro que ganhar dinheiro é o objetivo da maioria que atualmente se aventura nas práticas esportivas, política, do lenocínio com hora e locais marcados e na de transformação de bens públicos em privados.
Nenhuma alusão ao que o noticiário nacional e internacional tem mostrado com fartura de detalhes sobre a história das jóias recebidas, não declaradas, vendidas e recompradas. No entanto, felizmente conheço ex-presidentes, ex-jogadores e desportistas não menos famosos que, apesar do dia a dia sem problemas de ordem financeira, preferiram ser somente referência para uma população carente. Há, porém, os que optaram pela jactância, pela exibição desmedida e desconcertante, pela ostentação e, principalmente, pela exigência da idolatria de massa sofrida. Se acham superiores, craques, mitos, quase deuses. Vida longa para os fariseus.
Não me apeguei a nenhum dos que agiram dessa forma. Neymar e Jair, por exemplo, jamais seriam escalados em meu time de pelada. Nem pelados, de jet ski, de helicóptero ou de iate folheado a pedras preciosas e escoltado por militares estrelados. Ambos me remetem à juventude, quando, desavisadamente, tentava aprender kung fu. Um dia, determinado colega de tatame perguntou ao mestre por que sua habilidade não evoluía e ele era sempre vencido. Com a tranquilidade e paciência dos sábios, o velho professor respondeu: “Meu querido aluno, você já viu as gaivotas voando flamejantes pelo sol poente?” “E o time do Botafogo colocando as unhas de fora, com quase 20 pontos à frente do Flamengo?”
Como as respostas foram positivas, o mestre continuou: “E uma cachoeira derramando-se sobre uma pedra sem tirar nada do seu devido lugar?” “E a lua, tocando a água calmamente e refletindo toda sua enorme beleza?” – Sim, meu mestre, por diversas vezes já observei esses dois fenômenos da natureza. Eles são maravilhosos”. “Está aí o seu problema. Você fica vendo essas viadagens e não se dedica aos treinos”, ponderou o professor. Ainda que distinta, por analogia, a semelhança com o craque e com o mito é justamente a falta de apego e de apreço ao clube e ao contribuinte que apostaram alto em seus serviços. Não eram, mas estão ricos, embora fadados ao ostracismo futuro. Este inexoravelmente alcança os pobres de espírito. Triste fim para quem se acha de outro mundo. Com certeza, JK, Getúlio Vargas, Pelé, Zico e Ayrton Senna.