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Vilão enrustido, Trump terá seu pedestal feito de barro

Como diz o velho ditado popular, quem fala demais dá bom dia a cavalo. Na moda desde que venceu a disputa pela Casa Branca, o bravateiro Donald Trump incorpora o português em sua forma mais clara, lúdica, reta e intuitiva: quem fala o que quer, ouve o que não quer. Às vezes, a resposta é tão sonora como assustadora. Sempre foi assim e assim sempre será, inclusive com o homem que se acha o mais poderoso do mundo. Parece ser, tudo indica que é, mas verdadeiramente não é. Respondendo aos ruídos ou armações de Trump, o México, o Canadá e, por último, a China calaram parcialmente a boca esbranquiçada do republicado recém-empossado presidente dos Estados Unidos.

Agregar simpatia e poder pela força não se adequam mais ao século 21. Da mesma forma, o discurso politicamente incorreto não deve ser considerado como marca registrada de político algum no mundo. Todos que se comportaram como trogloditas, ditadores de ordens chulas e violentas supostos donos de alma pereceram cedo ou se transformaram em vilões eternos. Nunca alcançaram o pedestal dos heróis icônicos. Adolf Hitler, Saddam Hussein, Muammar Gaddafi e Bashar al-Assad talvez tenham sido os últimos a se imaginarem com poderes absolutos. Chamar para si o ódio comum não é tarefa difícil.

Complicado é evitar que esse ódio somatizado alcance aqueles que nada têm a ver com a fissura mental de um mandatário. Deportar, humilhar e segregar imigrantes apenas para agradar meia dúzia de parceiros doidões não deveria ser uma promessa de campanha. Da mesma forma, não é salutar o presidente da economia mais consistente do planeta demonizar árabes e infernizar muçulmanos, muito menos brincar com os efeitos do aquecimento global, minimizar as mudanças climáticas e, de pirraça, recuperar o incentivo aos combustíveis fósseis. Pior é impor sobretaxas nas tarifas de importação de parceiros comerciais exclusivamente por medo do incômodo que eles possam representar no futuro.

Além de imediatas, como foram as do México, Canadá e China, as respostas nem sempre se limitam a um desabafo ou ao troco do país atingido. Sabidamente os Estados Unidos podem muito, mas não podem tudo. Isso quer dizer que a sanha duvidosamente belicosa e rancorosa de Trump um dia volte a causar dissabores extremos e impensáveis ao povo norte-americano. Nem de longe é bom lembrar do 11 de setembro de 2001, data que certamente ainda está bem viva na memória da maioria esmagadora da sociedade estadunidense.

Queira Deus que os sonhos cruéis do terrorismo tenham sido varridos para os fundos do quinto dos infernos. Que Deus também mostre aos abomináveis homens do poder que bater é a parte mais fácil da briga. É sempre assim. Quem bate esquece, mas quem apanha jamais esquecerá. Normalmente, a vida devolve com força total o tapa, a surra ou a cicatriz. É somente uma questão de tempo. Nos EUA, no Brasil e em qualquer parte do mundo, nada é tão admirável quanto a memória curta. Os supostos donos do pedaço usam de ofensas pessoais e de baixarias, atacam a honra e a família de adversários, de vizinhos e de parceiros depois querem pedir desculpas.

E lembrar que partiu de um presidente norte-americano a proposta da política de boa vizinhança. Incomodado com a imagem intervencionista dos EUA na América Latina, notadamente no Brasil, Argentina, México e Venezuela, Franklin D. Roosevelt sugeriu, em 1933, substituir a intervenção militar pela diplomacia e aproximação cultural. Na época, a estratégia serviu para diminuir a influência da Alemanha de Hitler no continente. Hoje, o comportamento belicoso e hostil de Donald Trump é a senha há anos aguardada por um líder bem mais ardiloso e silencioso do que o então déspota alemão. Voltando ao ditado inicial, quem muito fala, nada faz. Já quem fala pouco tem a capacidade de dizer tudo. Apesar de longe, Xi Jinping está de olhos bem abertos na América que Trump amaldiçoa. Curiosamente é a mesma parte da América que parece não querer se dobrar aos caprichos do republicano.

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*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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