Alice Rocha, 4 anos, saiu da escola com a mãe, grávida de 3 meses, e juntas foram comprar pipoca no bairro de Taquara, Rio de Janeiro. Levou um tiro na cabeça. “Quando [a mãe] percebeu, ela já estava baleada no chão, é complicado de acreditar”, disse o pai dela, Lucas Rocha, aos repórteres, na frente do Hospital Miguel Couto enquanto a criança passava por uma cirurgia para a retirada da bala.
Alice continua em estado “muito grave”. Ainda não se sabe se o tiro partiu de milicianos ou de policiais civis. A Polícia Civil disse que os policiais foram chamados para verificar uma extorsão. Trocaram tiros no meio da rua, na saída de uma escola. Justificaram-se dizendo terem sido recebidos a bala por milicianos, que dominam não apenas o bairro onde a família mora, vizinho a Curicica, mas toda a Zona Oeste do Rio de Janeiro. Bolsonaro obteve 70% dos votos nesta região.
Não se sabe a história real que se esconde sob a justificativa padrão. Acertos entre milicianos e policiais são comuns, assim como conflitos em torno de propinas. O que se sabe é que Alice é a sétima criança baleada este ano no Rio de Janeiro. Em apenas quatro casos a polícia reconhece que crianças foram atingidas por tiroteios durante operações. Em todos eles, alega ter sido atacada por criminosos.
Não é bem assim, como mostra a morte de Kevin Lucas dos Santos Silva, 6 anos, baleado no coração por policiais militares do Rio de Janeiro em janeiro deste ano. Não havia nenhuma operação oficial em Queimados quando o garoto foi morto. O pai de Ludmila, 9 anos, também ferida, disse que as crianças estavam embaixo de uma lona, ajudando um vizinho, quando policiais de tocaia em uma casa avistaram o pé de uma delas e atiraram. Gabriela, de 13 anos, que estava com Kevin e Ludmila teve que passar por cirurgia para retirar a bala.
Ninguém foi punido, o que não é surpresa para ninguém no país em que a tortura e o assassinato de um homem por policiais redundam em recompensas para seus chefes – os diretores da Polícia Rodoviária Federal, Jean Coelho e Allan da Motta Ribeiro, que vão passar uma temporada nos Estados Unidos a mando do governo federal. A confiança dos policiais rodoviários no apoio do presidente da República é tão grande que, na quarta-feira passada, apesar da morte brutal de Genivaldo de Jesus, eles protestaram em Brasília, cobrando promessas de reestruturação da carreira e aumento salarial. Com certeza vão ganhar, ao custo de cortes na ciência, educação e outros setores essenciais para o Brasil continuar sendo um país.
Não dá para ter esperança de que alguém será punido pelo tiro na cabeça da menina Alice – dificilmente os responsáveis serão sequer identificados. Também não deve haver mudanças em consequência da morte brutal de Genivaldo, com assassinos conhecidos. Ainda que os agentes sejam de fato condenados pela Justiça, seus mentores ficarão fora da punição, entre eles o presidente da República, apologista da tortura e da violência policial.
Genivaldo não será George Floyd porque no Brasil de Bolsonaro ele é só mais um.