Paulo Victor Chagas
Criticando o Estado como “agente ativo” no fomento à violência no campo e classificando a lista de propostas legislativas que afetam os direitos humanos como “longa, enfadonha e trágica”, pelo menos 21 entidades e movimentos da sociedade civil se reuniram nesta terça-feira (23) em Brasília para um Ato Denúncia. O aumento no número de assassinatos, atos violentos e projetos de lei contrários à política da reforma agrária fez com que o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos, fizesse um evento em que fossem debatidas ações emergenciais.
Após o relato de testemunhas de diferentes estados brasileiros, que estão em situação de ameaça ou foram vítimas de violência no campo, os representantes de organizações sociais e instâncias públicas leram uma Carta em que denunciam o crescimento da criminalização de lideranças do campo e da crueldade na violência empregada. No documento, as entidades reclamam da impunidade das violações de direitos humanos que, segundo elas, permite que a repressão continue e favorece o aumento da lista de “pessoas e grupos ameaçados e assassinados”.
“O Estado não é apenas conivente e omisso, posição que perpetua a impunidade no campo pela ‘seletividade’, ‘morosidade’ e ‘inoperância’ do sistema de justiça que, de um lado, criminaliza os movimentos populares e, de outro, mantém impunes as ameaças, homicídios e violações de direitos humanos. O Estado é também agente ativo no fomento à violência, tanto pelas políticas e programas do Executivo que fomentam a acumulação de terras e de riquezas, como pelo Legislativo que, ao passo que destrói os direitos humanos conquistados pelos trabalhadores e trabalhadoras, faz uso de mecanismos, como a CPI da Funai e Incra, para criminalizar as vítimas e defensores de direitos humanos”, criticam as entidades no texto.
Assassinatos – O crescimento ano a ano dos homicídios decorrentes de violência no campo é um dos motivos pelo qual a reunião emergencial foi marcada. Em 2014, 36 pessoas foram assassinadas nessa situação, número que subiu para 50 em 2015 e, um ano depois, para 61. Este ano, de acordo com a Comissão Pastoral da Terra, os 26 assassinatos registrados até o mês de maio representam o dobro do número registrado no mesmo período do ano passado.
A carta pede uma investigação e punição urgente dos responsáveis pelos assassinatos, massacres e violências no campo. De acordo com Darci Frigo, presidente do CNDH, o fato “novo” das denúncias é que a violência têm ocorrido cada vez de forma mais brutal e generalizada, atingindo não somente as lideranças.
“É um momento para fortalecer as resistências dos movimentos sociais e manter acesa a chama dos direitos constitucionais que estão assegurados. Com base neles, as ações que foram sugeridas na carta serão cobradas do Poder Executivo. As situações que vimos aqui hoje serão tratadas e cobradas do Poder Público”, disse o presidente do CNDH.
Testemunhas – Gracinalva Costa Gamela, moradora da comunidade que sofreu um ataque de fazendeiros há pouco menos de um mês, expôs a situação da localidade maranhense. Os indígenas gamela foram atacados por homens armados com facões e armas de fogo. Pelo menos 13 índios foram feridos.
Representante do território pesqueiro do Cajueiro de São Luís do Maranhão, Clóvis Amorim da Silva, 50, pediu aos presentes no Ato Denúncia a criação de uma Força Tarefa para acompanhar os trabalhadores que vêm sofrendo ameaça de morte. De uma família de 13 irmãos, Clóvis se mudou ainda criança com a família para a capital maranhense em busca de novas fontes de renda. Ele conta que, embora more em uma comunidade tradicional que há mais de 100 anos faz parte do Terreiro do Egito , somente em 1998 a região foi regularizada como assentamento.
De lá pra cá, as cerca de 350 famílias que ocupam uma área de 610 hectares (um hectare tem uma área equivalente à de um campo de futebol) sofrem pressão de empresas que querem construir um porto no local para exportar itens como soja, petróleo, celulose e minério. Vítima de uma ameaça velada de morte na última sexta-feira (19), Silva diz que, em dezembro de 2014, 20 casas da comunidade extrativista e pesqueira foram derrubadas e o processo jamais foi concluído pelas autoridades policiais locais.
“A gente espera que o Ministério Público investigue essa situação de grilagem de terras e especulação para que a gente possa combater, porque não dá para conviver com situações como essas de criminalização e derrubada de casas. As ameaças continuam, estão sendo mais intensas”, denuncia. “Já houve prisão de vários jagunços armados lá dentro, já foi constatado que há milícias, há formação de quadrilha e que há um indício muito grande de grilagem de terra”.
Compromissos – A subprocuradora geral da República, Deborah Duprat, que no ano passado foi designada Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão, foi uma das autoridades presentes que se comprometeu com medidas concretas com o objetivo de frear as violações. Segundo ela, a Polícia Federal será cobrada para que promova um enfrentamento mais incisivo às milícias armadas, que têm coibido de forma violenta lideranças do campo.
Deborah citou medidas legislativas que representam retrocesso às conquistas de comunidades rurais, como a Medida Provisória 759/2016, que trata da regularização fundiária rural. Deborah defende que a proposta seja considerada inconstitucional, pois municipaliza a prerrogativa de regularização fundiária e, de acordo com a Carta Denúncia, “privatiza ainda mais as terras públicas”.
No documento, os signatários se posicionam contrários à Proposta de Emenda à Constituição 215/2000, que transfere ao Poder Legislativo a decisão final sobre a demarcação de terras indígenas. “É longa, enfadonha e trágica a série de medidas provisórias, projetos de lei, propostas de emendas à Constituição e decretos que afetam diretamente povos e comunidades do campo”, afirmam no texto, criticando também a paralisação das desapropriações de terras para assentamento de famílias.