Radicada no Rio de Janeiro, a violinista paulistana Ana de Oliveira, spalla da Orquestra Sinfônica Nacional da UFF e integrante do Trio Puelli, lançou-se um desafio no ano mais assustador e incógnito da história recente da Humanidade e, especialmente, da classe artística e musical: estrear seu projeto solo, o primeiro de uma carreira com mais de três décadas a serviço da música brasileira e internacional.
Tendo sido solista com diversas orquestras na Europa e no Brasil – por uma década foi spalla da Orquestra Sinfônica Brasileira – Ana de Oliveira lança, simultaneamente, seu primeiro CD de violino solo, “Dragão dos Olhos Amarelos”, e o livro “O Violino na Música Contemporânea Brasileira – um manual de técnica estendidas”, ambos no formato físico e digital, uma ousadia muito bem vinda em tempos pandêmicos, revelando-se, musicalmente, como compositora e exímia improvisadora, com igual importância literária na Educação Musical.
Com produção, direção e concepção da própria autora, dez das quinze faixas que compõe o CD foram criadas instantaneamente, em fevereiro último, no Estúdio Monteverdi, onde foi gravado, mixado e masterizado por André Mehmari.
Além destas autorais inéditas, e compõe ainda o repertório Dodecafoniana I e II para violino solo, obra de Sérgio Ferraz dedicada à violinista; Cadenza, composição da violinista para a música “Eterna” de Egberto Gismonti em sua versão para solista e orquestra; Malinconia da segunda Sonata para violino Solo, de E. Ysaÿe, e Posso Chorar, com André Mehmari ao piano, uma faixa bônus inédita escrita por Hermeto Pascoal nos anos 80 e dedicada à violinista quando a conheceu na estreia de sua “Sinfonia em Quadrinhos” – na época, a artista tocava como spalla da Orquestra Sinfônica Jovem Municipal de São Paulo.
“Este registro é a realização de um sonho de liberdade, uma viagem autobiográfica…As composições instantâneas que integram este trabalho são inspiradas em momentos, memórias, sentimentos de minha vida, que foram retratadas sob forma de Música… uma catarse e um ato de coragem de me expor visceralmente”, revela Ana de Oliveira.
Tais sentimentos e revelações são ratificados por André Mehmari, para quem este projeto é, além de tudo, “um testemunho potente da resistência do artista brasileiro em meio ao mais desafiador cenário em tempos recentes e provavelmente de todos os tempos em alguns aspectos”. Para o consagrado produtor, compositor, arranjador, pianista e multi-instrumentista, a artista não se esquiva e “empunha corajosamente seu arco e lança a flecha sonora certeira na direção do ouvinte apto a viajar com ela por veredas que vão muito além do conforto estético e formal: a fascinante imperfeição do ser humano em constante estado de mutação”.
Fruto do seu mestrado profissional concluído em dezembro de 2018, no Instituto Villa-Lobos, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), sob orientação de Mariana I. Salles, o livro, com prefácio do violinista Paulo Bosísio, oferece subsídios técnicos e teóricos sobre o assunto – carente de referências – e pode ser utilizado como um manual para estudantes de violino e composição.
O termo “técnicas estendidas” define todos os meios técnicos instrumentais não tradicionais e não convencionais para a performance de obras musicais contemporâneas. “No Brasil não há muitas referências técnicas e bibliográficas sobre o tema, embora haja um crescente interesse pela música produzida hoje”, destaca a autora e complementa: “mas foi devido à minha dedicação na execução do repertório para violino dos séculos XX e XXI e, naturalmente, a partir de minhas próprias dificuldades na busca por soluções para a execução de determinadas passagens, assim como em interpretar novas notações musicais, que surgiu a necessidade de elaborar um manual sobre técnicas estendidas para o violino”.