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Vitória de Maduro está nas mãos do VAR de Lula, que dirá se ippon valeu

Em tempos de Olimpíada, queimar a largada significa passar a vez ou ser desclassificado. Pior é queimar o filme na quadra política. Além de agonizante, com ou sem VAR, a queimada significa desgaste irreversível ou, no mínimo, a perda dos primeiros postos no quadro de medalhas. Jornalisticamente importante, mas, ao mesmo tempo, chato e modorrento, o tema crise na Venezuela já deu o que tinha de dar. Apesar do esgotamento, o assunto só será encerrado quando um dos lados conseguir o ippon, pontuação máxima em uma luta de judô. Como o principal juiz do tatame é brasileiro, o conflito eleitoral do país foi levado para o golden score e de lá só deve sair nos próximos Jogos Olímpicos.

Me cansei da trama montada para perpetuar Maduro no Poder. Antes, porém, afirmo que, sem qualquer margem de erro, dizer que a vitória garfada pelo ditador só deverá ser revista quando as regras do jogo político venezuelano forem alteradas. Ou seja, nunca. Pelo menos enquanto o tal Nicolás mantiver a simpatia da diplomática e democrática corte brasileira. Ele está 24 horas no radar da governança do Brasil. Entretanto, nos bastidores a ordem é não se indispor com o ditador, mesmo que ele cuspa na cara do atleta mais vitorioso da região. Ainda assim a desclassificação terá de ser vista, revista e, para o bem de todos, arquivada nas profundezas do Lago Paranoá ou das Ilhas Margaritas.

O sumiço das atas eleitorais continua intrigante, embora poucos tenham dúvidas de que os números desapareceram porque davam a vitória a Edmundo González Urrutia, opositor de Maduro. O ordenamento jurídico brasileiro e de qualquer outro país sério estabelece que, no processo penal, o acusador tem a responsabilidade de comprovar que a alegação é verdadeira. Na Venezuela não há como seguir a regra, pois o que servia de prova certamente não existe mais. Como o Poder Judiciário de lá faz parte do acervo do ditador chavista, o dito servirá como o não dito e a vida terá de seguir no caminho inverso da lei.

A situação jurídica da Venezuela é cópia fiel dos “conservadores” Vladimir Putin (Rússia), Xi Jinping (China), Recep Tayyip Erdogan (Turquia), Viktor Orbán (Hungria) e Alexander Lukashenko (Bielorrússia). Nesses países, todos de posturas ditatoriais, o ônus da prova está em quem é acusado ou em quem é objeto de suspeição. Portanto, cabe a Maduro e seus asseclas do Conselho Nacional Eleitoral, do Parlamento e do Ministério Público provarem que Urrutia perdeu a eleição. Isso jamais ocorrerá por uma simples razão: as principais lideranças dos poderes venezuelanos são escolhidas a dedo pelo arbitrário comandante e obviamente muito bem remuneradas para esconder ou incinerar todos os documentos capazes de dirimir as dúvidas dos críticos.

Didatizando o juridiquês, nessa inversão de valores, a oposição sabe que venceu o pleito, mas, sem os dados engolidos pela trupe chavista, não há como derrubar a fraudulenta hegemonia do ditador. Nesse caso, o surrupiado ouro de Nicolás está mais para papelão reciclado. Como as medalhas de prata e de bronze também foram afanadas pelo grupo de Maduro, tudo ficará como dantes no quartel montado por Hugo Chávez. Na prática, um finge que ganhou, o outro finge que perdeu e o vizinho poderoso finge que nada de anormal aconteceu por lá. Enquanto isso, a burocracia venezuelana obriga o povo a se enfrentar e se equilibrar entre a morte, a escassez de produtos e a crescente desigualdade.

Resumida a uma contraditória alegoria criada para enfeitar a carnavalesca vitória de Maduro, a Venezuela de hoje se resume à frase do filósofo marxista, jornalista, crítico literário e político italiano Antonio Gramsci: “O velho está morrendo e o novo não pode nascer; nesse interregno, uma grande variedade de sintomas mórbidos aparece”. No conceito gramsciano, A falsa hegemonia neoliberal chavista (progressista) enfrentada pelo povo venezuelano significa que a classe dominante faz qualquer negócio para que a dominação tenha coloração natural. Ainda mais revoltante do que as mentiras de Nicolás é a insistência de governantes vizinhos em fingir que não há anormalidades no sistema implantado por Hugo Chávez e mantido à força por Maduro. O ditador sangra perante o mundo, mas seus parceiros, entre eles o Brasil, teimam em não permitir o nascimento do novo.

*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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