Eu nasci em uma família grande, com muitos tios, tias, primos e primas, mas era filha única. Minha mãe nunca quis ter mais filhos, pois dizia que a dor que sentiu no parto, era algo que jamais gostaria de experimentar novamente. Durante a minha infância e adolescência, fui extremamente feliz quando morava com meus pais em um bonito sobrado amarelo com um pequeno pomar no quintal. Ah, como eu adorava subir naquelas árvores e comer aquelas frutas frescas. Muitas goiabas vermelhas, mangas, acerolas e limão.
Tudo estava indo muito bem, até eu completar 20 anos. Por eu ser a única filha, meu pai, que era bastante conhecido na região em que morávamos, me prometeu em casamento a um rico senhor que era dono da Fazenda Pingo de Ouro. A qual era responsável por comandar a economia da nossa cidade e da região, empregando muitas pessoas na gigantesca plantação de café. Eu amo café e mataria qualquer um por uma xícara fumegante desse precioso líquido. Mas eu não queria casar com ele ou com qualquer outro homem, eu só queria viver minha vida em paz. Eu só tinha 20 anos e ele já estava com 58 anos. Tinha idade para ser meu avô.
Apesar de eu ter chorado diversas vezes para meu pai desfazer a promessa, de nada adiantou. Minha mãe apenas me consolava dizendo que o casamento dela também havia sido arranjado e ela havia sido feliz e amada pelo meu pai. O que minha mãe não sabia era que eu era uma alma livre e jamais poderia ser feliz sendo forçada a fazer algo. O casamento foi marcado para o segundo sábado do mês de Maio. Ainda faltavam três meses até eu ser sentenciada a conviver com aquele ser asqueroso.
Ele se chamava Joaquim Roriz, e já havia se casado seis vezes e eu seria sua sétima esposa. As más línguas, ou boas, dizem que todas elas haviam morrido de complicações no parto. Nenhum filho sobreviveu. Ele me visitava frequentemente e sempre trazia rosas brancas e sacos de café. Mesmo com todas as caras feias que eu fazia para ele, ele nunca desistiu de me cortejar. O que me restava era aceitar aquilo e pensar em como eu escaparia dele no futuro.
Como tudo que é bom dura pouco, o dia do casamento logo chegou e eu me vi no altar ao lado daquele homem, que em breve seria meu marido. Todos os meus familiares e boa parte dos nossos vizinhos e conhecidos estavam presentes. Apesar da tristeza que eu sentia, sorri o tempo todo e tratei todos com muita gentileza, da mesma forma que minha mãe havia me ensinado. Após os votos, fui tomada nos braços e beijada por Joaquim, apenas uma formalidade. Logo ao final da festa, ele me conduziu pela enorme casa e me levou aos seus aposentos.
Minha mãe já havia me explicado o que viria a seguir. Ao longo da noite, consumamos o casamento e me tornei a Sra. Roriz. Mas a que preço? Minha alma gritava por liberdade e eu me via sufocando em uma bela prisão.
Pela manhã eu acordei com batidas na porta, era uma das empregadas da casa, Sra. Jocasta. Ela trazia o café em uma enorme bandeja e me informou que o Sr. Roriz havia ido para a cidade. Ela se mostrou bastante eficiente e já me contou de todas as coisas da casa, a qual eu fazia parte agora. Em certo momento, ela perguntou se eu estava feliz por ter me casado. Quando eu perguntei o motivo da sua curiosidade, ela contou que já trabalhava ali há anos e havia conhecido todas as esposas anteriores a mim e que a pergunta que ela fazia era por pura preocupação, afinal eu era jovem e tinha uma vida toda pela frente.
Nos olhos de Jocasta, havia uma bondade genuína, então me abri com ela e contei como eu estava me sentindo. E sem mais rodeios, ela contou que o Sr. Joaquim havia feito um pacto maligno para ser rico. E em troca da riqueza, ele deveria entregar todos os seus filhos assim que nascessem. Aquilo me subiu como um nó na garganta, eu mal tinha feito 20 anos e estava atolada até o pescoço naquele caos.
Perguntei a ela, se havia alguma forma de eu me livrar daquilo. E ela me disse que a única opção seria matar o meu marido e tomar o líquido anticoncepcional que ela havia me trazido para evitar uma gravidez indesejada. Sem pensar duas vezes, tomei o líquido e senti tudo queimando dentro de mim. Toda noite, meu marido se perdia em meu corpo antes de voltar para o seu próprio quarto. E toda manhã, Jocasta trazia o líquido anticoncepcional. Enquanto isso, eu planejava a melhor forma de envenená-lo, já que ele nunca aceitava nada das minhas mãos e a empregada, Anette, o servia em tudo.
Certa noite, ele me perguntou se eu estava seca por dentro. Quando perguntei o motivo, ele me disse que eu ainda não tinha lhe dado um filho. E eu ciente dos seus desejos e da sua sina, falei em seu ouvido que seria mais receptiva para receber suas sementes. Ao ouvir a minha resposta sussurrada, percebi que ele se contorceu em deleite. Ele não era um marido ruim, eu só não o queria na minha vida e não queria ser a incubadora de um bebê com o destino selado.
Peguei em sua mão e o levei ao quarto, pedi que ele se deitasse em minha cama e fui ao banheiro. Com a porta fechada misturei o veneno com uma loção hidratante e passei em meus seios. Voltei ao quarto enrolada em um roupão cor de rosa e com os cabelos soltos. Me encaixei em seu corpo e o beijei ardentemente. Ergui meu corpo, para que contemplasse meus seios, e sem pensar nenhum segundo, ele abocanhou o seio direito enquanto apertava o esquerdo. Ele estava tão excitado que não notou o veneno atacando seu coração e a dor subindo em seu peito. Em um momento, ele me amava freneticamente, e no outro, os seus olhos se tornavam vítreos.
A porta abriu em um clique. Era Jocasta. Ela me olhava incrédula. A boca de Joaquim ainda estava aberta e direcionada a meu seio pois eu ainda estava sentada sobre ele.
“Vá se lavar”, disse Jocasta num sussurro.
Eu ainda não havia me dado conta de que havia matado um homem. Meu marido. Tomei um banho demorado, lavando cada parte do meu corpo e joguei fora todo o veneno que ainda estava guardado no pote. Assim que saí do quarto, notei que o médico da cidade já estava examinando o corpo. Ele me olhou carinhosamente e disse: “Fico feliz que não tenha sido você.”
Ao ouvir essas palavras chorei copiosamente enquanto Jocasta me abraçava. O Dr. Faustino determinou a morte de Joaquim Roriz, como infarto. O que foi aceitável para todos, já que ele era velho e estava praticando obscenidades com sua jovem e bela esposa.
Meses após a morte do meu marido, descobri que eu estava grávida. Devido a todos os eventos que ocorreram no dia da sua morte, eu esqueci de tomar o líquido anticoncepcional. E como a minha gravidez estava avançada, eu decidi seguir em diante e ter o bebê. No dia do nascimento, após 12 horas sentindo dores perturbadoras, descobri que não havia nenhum bebê dentro de mim. De acordo com o Dr. Faustino, se tratava de uma gravidez psicológica devido eu ter passado pelo trauma de ver meu marido morrer na minha frente.
Aparentemente, todo castigo para quem já está sofrendo é pouco. Passei meses tentando entender tudo o que tinha me acontecido e quando vi que não adiantava perder minha sanidade, decidi viver minha vida e gerenciar a fazenda. Me relacionei com alguns homens ao longo da minha vida, mas nunca consegui manter nenhum relacionamento por mais de sete anos. Ou eles me deixavam ou morriam misteriosamente.
Eu estava amaldiçoada, mas pelo menos ainda tinha a amizade de Jocasta. Jocasta. Como ela ainda conservava a mesma aparência se já haviam passado anos que eu a conhecia?
“Jocasta?”, eu a chamei.
“Sim, Loren”.
Num estalo, ela apareceu ao meu lado.
“O que você é?”, gritei assustada, ao notar que ela surgiu magicamente na minha frente como se fosse a mais pura escuridão.
“Oh, finalmente você percebeu. Eu sou você. Ou melhor, quem você será depois que morrer. Você não pensou que iria matar seu marido e ser feliz, ne?”.
Jocasta mostrava um sorriso viperino.
“Mas você me induziu a matá-lo”, sibilei para ela.
“Oh, não, querida, você fez tudo sozinha. Não pode me culpar por ter sido uma tola. Agora recomponha-se e aproveite enquanto está viva”, disse ela e desapareceu em um redemoinho de sombras.
Desde então, nunca mais vi Jocasta. Eu tive uma vida razoavelmente normal até aos 83 anos, não tive filhos, e morri ao tropeçar em uma pedra. Era tudo o que eu merecia: uma morte tola e sem glória.