Fantasiado de sapo barbudo, D. Pedro I passou rapidamente pelas principais capitais do Brasil na manhã dessa quinta-feira, 7 de setembro, e deixou alguns recados na chaminé daquele povo que recentemente enviuvou de marido vivo. De luto, com véu verde e amarelo encardidos pelo tempo e chorando lágrimas de jacaré pós-pandemia, as entediadas e renitentes viúvas do agora lobo solitário talvez nem tenham percebido o principal dos recados: o país está sob nova direção e, ainda que a Esquadrilha da Fumaça faça chover canivetes, não há hipótese de recuo. Aliás, esse é o problema: a viuvada não consegue engolir a fumaça da paz.
Apesar da secura do Cerrado, o clima de tensão deu lugar ao frescor da alegria, da paz e da confiança de unificação da sociedade até pouco tempo polarizada entre o céu e o inferno, entre o diabo regenerado e o “capetão” flambado no caldeirão do demo. O simbolismo de união, paz, harmonia e democracia vivido pelos verdadeiros patriotas varreu para debaixo do tapete vermelho da Esplanada dos Ministérios, particularmente da Praça dos Três Poderes, qualquer vínculo pontual, ridículo e rançoso com o sistema que dormia e acordava tentando “endireitar” o Brasil de todos os brasileiros.
Sem as amadoras, pitorescas e mafiosas manifestações de anos anteriores, o desfile republicano e popular de 2023 também marcou o fim do jus sperniand de militares que, mesmo veladamente, teimavam em acreditar na reencarnação rocambolesca de um mito só existente em para-choque de caminhão com mais de dez anos de uso. Os novos já saem de fábrica com o novo bordão da República: “União e Reconstrução”. Depois de virar soldado raso na hierarquia dos novos comandantes das Forças Armadas, o moço que confundiu a nação com um dos quartéis que ameaçou invadir a Vila Militar do Rio de Janeiro agora vive sob o fio da afiada navalha da lei. A ordem dada será cumprida, queiram ou não os aracnídeos que, travestidos de falsos patriotas, escalaram os mais sórdidos degraus do ódio, a partir do que sonhavam com uma republiqueta de bárbaros.
Com a altura alcançada em quatro anos de um despudorado desgoverno, os supostos “meganhas” do regime cabuloso e de exceção meteram os pés pelas mãos e acabaram levando todos para o lodo acumulado pelo clã armado. Portanto, nada mais natural que se estatelem no chão cristalino, reluzente e límpido da pátria passada a limpo em tempo recorde. Maior engodo da história brasileira, o marido vivo que enviuvou milhões de doidões está se borrando de medo. Seus “soldados” sem coturnos também. O maestro que regeu a orquestra do primeiro 7 de Setembro da Era de Aquarius sequer precisou apontar a batuta pontiaguda e endurecida para a direção do intestino grosso do malfadado negociador de próteses penianas para superiores fardados.
O coração desenhado nos céus de Brasília com a fumaça branca originária dos tucanos da Esquadrilha se encarregou de romanticamente provar que realmente o amor está no ar. O day after da independência mostrou ainda que é possível recolocar o Brasil no eixo da democracia sem a necessidade de fratricídios inconsequentes e articulados por quem passou toda a gestão reclamando e ameaçando as instituições que deveria defender. Sem viés político e com disposição ímpar para unir os que têm na veia a seiva da liberdade, o Dia da Independência sonhado por Pedro I certamente contribuirá para a virada de página.
E não importa que o desfile da união contra a discórdia tenha reunido 10 mil, 20 mil, 50 mil ou 100 mil pessoas. Importante é que, voluntariamente, a maioria vestiu verde amarelo para sonhar e não para beber o sangue dos antagônicos. Além da convivência harmoniosa das diferenças, democracia pode não ser o paraíso, mas certamente ela evita que a gente chegue ao inferno. Se alguém não se lembra mais, veio dela a força que derrubou e enjaulou as feras feridas do 8 de janeiro. Fé na vida, fé no homem, fé no que virá.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978