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Parques infantis

Vivendo e aprendendo a brincar perigosamente

Publicado

Autor/Imagem:
Renata Cafardo

Em tempos de pais e mães super protetores, pesquisas têm mostrado que o desenvolvimento das crianças é muito melhor quando elas se expõem a riscos. Não se trata de deixar o filho se pendurar na janela ou atravessar a rua sozinho. Mas encorajar a vontade dos pequenos de escalar brinquedos altos, subir em árvores e descer de cabeça para baixo no escorregador ajuda a formar pessoas seguras, com mais resiliência, habilidades sociais e até com melhor aprendizado. Estudos internacionais passaram, inclusive, a recomendar a construção de parquinhos “mais perigosos”.

Especialistas discordam de ambientes com pisos acolchoados, brinquedos só de plástico, pontas protegidas, piscinas de bolinhas. E recomendam, por outro lado, que áreas de playgrounds e de pátios escolares tenham areia, toras, pedras, pneus. Os brinquedos devem ser construídos em madeira, altos suficientes para impor desafios, com escadas, rampas e pontes elevadas para estimular o equilíbrio.

As descrições acima, no entanto, apavoram a maioria dos pais. O grande temor é que as crianças se machuquem. Mas uma grande pesquisa feita no Canadá, que analisou 21 estudos sobre o assunto, concluiu que não há relação entre aumento de quedas e machucados e altura dos brinquedos. E que crianças que se arriscam mais, na verdade, se machucam menos. Elas acabam desenvolvendo habilidades físicas e compreendendo seus limites. “Hoje se entende que cuidar bem é super proteger, mas na verdade os pais estão tirando a oportunidade dos filhos se desenvolverem”, diz Laís Fleury, coordenadora do programa Criança e Natureza do Instituo Alana.

“Que mensagem estão passando às crianças ao dizer “pare” ou “cuidado”? De que elas não são capazes de se cuidar, de tomar decisões e que o mundo é mundo perigoso para elas”, disse ao Estado a pesquisadora Mariana Brussoni, da Universidade de British Columbia, autora do estudo. Segundo ela, os pais precisam aprender a lidar com a própria ansiedade e insegurança para saber avaliar o que é um perigo real.

“Eu sempre sugiro que contem até 17 quando quiserem dizer ‘pare’. Em geral é tempo suficiente para a criança brincar e o pai perceber se realmente deveria ter interferido.” A pesquisa concluiu que há mais efeitos positivos à saúde das crianças ao participar de brincadeiras que envolvem risco do que ao evitá-las. Melhora a criatividade, a resiliência e a interação social – e não aumenta agressividade.

O estudo é um dos que endossam um documento mundial elaborado pela Internacional School Grounds Alliance. Por meio dele, a organização, presente em 16 países, pede que pais e educadores incentivem políticas para que os pátios das escolas tenham atividades “com níveis benéficos de risco”. “O mundo é cheio de riscos, as crianças precisam aprender a reconhecê-los e responder a eles se protegendo e desenvolvendo sua própria capacidade de avaliá-los”, diz o manifesto.

Na Nova Zelândia, uma outra pesquisa incentivou que oito escolas deixassem os parquinhos “mais perigosos” e acabassem com regras como a de não poder brincar na chuva, por exemplo. Elas foram comparadas com outras que não mudaram nada. Depois de dois anos, os alunos das escolas com intervenções se diziam mais felizes, brincavam com mais colegas e tiveram menos problemas com bullying. “Crianças precisam ir experimentando um pouco de risco de acordo com a idade. Ou, no futuro, podem tomar decisões terríveis quando estiverem no controle das suas vidas, diante de bebidas alcoólicas ou dirigindo um carro”, afirmou ao Estado uma das responsáveis pela pesquisa, a professora Rachael Taylor, da Universidade de Otago.

Na semana passada, Amelie, de 4 anos, experimentava vários jeitos e, enfim, conseguiu empilhar cubos, caixa e baldinhos para fazer as vezes de um banco. Ela e as amigas subiram na estrutura nada estável para olhar do outro lado do muro da escola onde estuda no Pacaembu, a Jacarandá. Os três professores que estavam no pátio não interferiram e um deles apenas ficou numa distância em que pudesse ajudá-las numa eventual queda. Na escola, até bebês engatinham no chão de pedra e, aos 3 anos, todos já podem subir nos brinquedos altos.

“As crianças vão se adaptando e organizando o movimento no ambiente em que elas estão. O corpo é a base do desenvolvimento psíquico, emocional e cognitivo, é assim que elas aprendem”, explica a coordenadora pedagógica da escola, Vitória Reges Gabay de Sá. “Os pequenos machucados também são aprendizagem. Não é que vamos provocar machucados nem frustrações, mas a vida é assim.”

Na Escola Grão de Chão, na Água Branca, as crianças fazem fogueira, são livres para subir nas árvores e brincam em instalações feitas com pneus, pedras e tocos de madeira. Nas aulas de artes, com ajuda dos adultos, alunos de no máximo 6 anos usam serrotes e martelos. “Nossa preocupação é com a criança que não quer desafio, que só quer ficar quietinha desenhando ou com um brinquedo”, diz a diretora Lucília Franzini.

Para os pais, há a angústia de descobrir o equilíbrio entre proteger e incentivar os desafios. “Eu não quero que ele chore, se machuque, mas sei que se devolve ao se expor aos riscos. Então fico o tempo todo me questionando até onde posso deixar ele ir”, diz a publicitária Tatiana Tsukamoto, de 35 anos, mãe de Max, de 8 meses. “Eu já cogitei mandar meu filho com capacete para a escola por causa de um brinquedo alto”, conta a dentista Ana Elise Valente, de 43 anos, mãe de Gabriel e Miguel. Hoje ela diz perceber o absurdo da ideia.

“Sempre temos que explicar para os pais que não dá para arredondar todas as quinas do mundo”, diz a diretora da Escola Projeto Vida, Monica Padroni, que fica em um sítio na zona norte com casa na árvore e escorregadores enormes. A enfermeira Aline Marques, de 29 anos, conta que o filho de 3 precisou de terapia e fonoaudiologia para começar a falar por causa da proteção exagerada. “Nem em areia eu deixava ele brincar e, por isso, não se desenvolveu.” Depois que a mãe mudou a atitude, diz, ele se tornou outra criança.

Uma boa maneira de expor as crianças a riscos benéficos, segundo especialistas, é deixá-las brincar na natureza. A Sociedade Brasileira de Pediatria passou a recomendar que crianças tenham “acesso diário, no mínimo por uma hora” a ambientes como parques, praças e praias para “se desenvolver com plena saúde física, mental, emocional e social”.

O manual, elaborado com apoio do Instituto Alana, também pede a pais e escolas que permitam que as crianças se engajem em atividades com riscos. “O desafio é intrínseco à natureza, o terreno não é nivelado, têm várias diferenças de altura, de textura”, diz a coordenadora do programa Criança e Natureza do Alana, Laís Fleury. O documento tem a intenção de combater a exposição excessiva a telas e o confinamento das crianças, que só brincam em espaços fechados.

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