Vovó não tinha muito estudo, mal sabia ler e escrever, mas era danada de ouvido. Captava aquilo que julgava ser importante e deixava o que era asneira de lado. Por conta de tamanha sapiência, era comum gente estudada ir procurá-la para consultas sobre a vida.
Eu, que sempre fui a neta mais próxima, tive a oportunidade de presenciar alguns conselhos que minha avó dava para esse povo culto. Uma dessas pessoas era a dona Helenice, professora de química aqui em Recife. A mulher, de tantas vezes que me encontrava na casa de vovó, não raro, me trazia bolo de rolo.
Quando a campainha tocava, era sempre eu que corria para abrir a porta. É verdade que, na maioria das vezes, não era a dona Helenice. Não importava, pois vovó sempre me disse para não perder a esperança. Aliás, quando ela me dizia isso, não era em relação aos mimos que a professora me dava, mas a todos os momentos que parecem tão ruins, que não conseguimos enxergar uma saída.
— Ritinha, quando tudo parece perdido, ouça o canto de um passarinho, vá soprar bolhas de sabão, olhe pela janela, que logo você vai perceber que tudo tem solução. E, caso não encontre, está tudo bem. A vida tem dessas coisas.
Só de recordar essas palavras da minha avó, me bate uma saudade danada. Todavia, voltemos à dona Helenice, que, naquele dia, estava se sentindo deplorável. Tanto é que meteu a mão na bolsa, retirou meu bolo de rolo e me entregou sem nem sequer me olhar nos olhos. Vovó, que não era boba, tratou de dar um abraço na amiga e a levou para a cozinha, onde foi preparar um chá de erva-cidreira.
Enquanto a água fervia, a mulher desandou a falar sobre a culpa que sentia por não ter conseguido criar os filhos como o marido e ela planejaram. Maria Augusta, a primogênita, não queria fazer faculdade, mas se meter nessa vida incerta de atriz. Quanto ao Felipe, que sempre disse querer ser advogado que nem o pai, agora andava com ideia de se tornar veterinário.
Chá servido, dona Helenice bebericou e, com aquele olhar repleto de desolação, buscou as palavras da velha sábia. Não tardou, elas vieram para aplacar o coração aflito da professora, que saiu aquecido. O que vovó disse? Ainda me lembro.
— Helenice, minha querida, a vida não é linha de montagem.
*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.
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