Enquanto Flavio Bolsonaro, em mais um rompante, deseja que o Hamas se exploda, os movimentos da opinião pública podem ser aferidos por vias pouco observadas. Uma delas é a resposta da sociedade nas enquetes eletrônicas promovidas pelos veículos de comunicação. Recentemente a TV Globo anunciou um recorde mundial ao divulgar a participação de internautas no reality show Big Brother Brasil, Edição 19, quando o número de votos para eliminar um de seus confinados ultrapassou a população do país: mais de 200 milhões de cliques.
O BBB é um daqueles programas que todos afirmam não dar atenção, mas que todo mundo acompanha. O Ministério Público, em passado não muito distante, tentou auditar a votação, mas o poder global que permeava os demais poderes não permitiu. Nesse aspecto, sociólogos, antropólogos, cientistas do comportamento, devem estar com o alerta piscando. Tanto quanto os habitantes da casa mais vigiada do Brasil.
O laboratório milionário patrocinado por empresas privadas, se admitida a veracidade anunciada sobre os números de participantes internautas, merece mesmo uma análise independente da direção e interferência externa dos organizadores do programa.
Após as diversas eliminações, foram formados dois grupos que antagonizam vertentes, digamos políticas, que acontecem aqui, do lado de fora. A meia dúzia de sobreviventes que formam os dois blocos foram ostensivamente classificados e identificados, no inconsciente coletivo, como representantes da esquerda e da direita, sem que o assunto tenha sido objeto de debate entre eles.
O bloco que representa a direita é formado pela advogada esganiçada Paula, pela brejeira designer Harianny e por Carol, publicitária, conhecida por Peixinho. A suposta esquerda do reality show é agora liderada pela jornalista Rízia e pela percussionista Gabriela, ainda acompanhadas pelo insosso e indeciso Alan, depois que perderam três fortes aliados: o vendedor de picolés Danrley, a youtuber Hana e o militante verborrágico Rodrigo.
Estes últimos foram tirados da casa pela população, com esmagadora maioria de votos. E daí? Independente da chatice de todos, o inconsciente coletivo da massa ligada no programa percebe, no primeiro trio, a representação de um comportamento mais identificado com a direita hoje dominante (ou verde). Enquanto os remanescentes da liderança do autodenominado cientista social Rodrigo, expulso com 70% de rejeição, viram ruir seu bloco que tem a cara de militantes da esquerda (ou vermelha).
O comportamento humano surpreende em todas as situações. Confinados desde o fim de 2018, provavelmente não tiveram tempo de acompanhar as tendências políticas formadas fora da casa, a partir da mudança do governo brasileiro. Nem a nervosa batalha travada nas redes sociais que divide a população.
A aglutinação dos iguais é autêntica e natural naquele ambiente e sobre isso não ficam dúvidas. Mais clara ainda é a leitura de que um grupo, antes dominante, formado a partir de semelhanças sociais, ideológicas e étnicas, com número muito superior de integrantes, foi aos poucos dilacerado pela oposição de internautas, a cada votação.
O concurso para chegar ao prêmio de R$ 1,5 milhão, não foi capaz de prever a reprodução, ao menos no campo estereotipado e a formação de dois micros batalhões de combatentes.
Mas a plateia televisiva, intoxicada pelo momento político que passa o Brasil, assumiu a defesa e o ataque, em nome dos gladiadores, de acordo com suas predileções ideológicas.
Acadêmicos agora estarão debruçados sobre o fenômeno que já chegou ao Palácio do Planalto. Nos próximos dias, antes da celebração do enterro do reality show mais entediante da história, ao menos a movimentação na infovia pode ser comemorada. Sem auditoria, é difícil saber como a emissora platinada vai conduzir a guilhotina, especialmente no momento em que o time verde é franco favorito, segundo as votações, para chegar ao prêmio maior.
O Brasil já sinalizou com seus milhões de votos, projetando nas almas presas no Projac, a guerra fria que existe aqui fora. O que tem aparência de uma ingênua brincadeira, virou assunto muito sério a ser estudado.
A grande massa não quer saber de ouvir “perdeu, playboy!”. Caso o resultado seja uma zebra, Anne Hidalgo, prefeita de Paris, vai precisar encontrar mais uma boulevard para dar nome brasileiro.