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Votação prova que falta fé pública ao extremismo

Para um domingo sem futebol, o dia da eleição, data cívica criada para homenagear os mentirosos, não foi uma ocasião qualquer para milhões de machos alfas. Afinal, esse é o único dia em que as mulheres deixam o marido, noivo ou namorado irem à zona sem brigar. Elas sabem que, mais do que o voto, o momento de cutucar no Confirma tem tudo a ver com o devaneio da transmissão de gemidos, dores, esperança e a certeza de que, em dois anos, todos estarão de volta à zona. Antes de qualquer avaliação mais séria dos resultados, é de bom alvitre registrar que a apuração acabou na maioria dos lares brasileiros.

Good morning, machões, mas, especificamente nesse caso familiar, a política é irrelevante. Relevante é a informação criptografada das urnas eletrônicas: as patroas continuarão mandando por mais quatro anos. Quanto a isso, nada mais a acrescentar. Sobre o pleito municipal, todos sabem que ele é um trampolim dos líderes nacionais para o futuro. A expectativa é a de que o resultado do domingo, 6, contribua com a eleição de 2026 e pavimente estradas capazes de mostrar ao mundo um Brasil menos parecido com a Vila Mimosa ou com o cabaré de Madame Butterfly.

Como até agora nada mudou, quem foi a zona nesse domingo pelo menos se deu conta de que continuamos mais do mesmo. E assim será até o dia em que as donas de vidas difíceis pararem de procriar. O sonho de metade mais um dos brasileiros é ver os filhos das moças longe da política. Por enquanto, é o que temos. E vamos que vamos. Em nome do voto garantidor de um empregão de quatro anos, podendo ser renovado por mais quatro e por mais quatro anos, domingo foi dia em que os candidatos a prefeitos e vereadores lustraram a língua, engomaram o ego, envernizaram a cara de pau e começaram a esticar os bolsos.

Na mesma data, milhões de brasileiros optaram por tapar os ouvidos, esquecer as falsidades, fingir que acreditam em mentiras, aceitar novos golpistas e, principalmente, brincar de eleger os menos ruins. Digo brincar, porque se fossem levar a sério, poucos seriam os escolhidos. Talvez nenhum. Agora, com a Inês no caixão, resta a esperança de alguns dias de reflexão e de empurrar para debaixo do tapete encarnado as baixarias, as sandices, as idiotices e as ciladas da campanha. Quem viver verá a barafunda em que, mais uma vez, nos metemos. Com perdão da má palavra, mas, na verdade, meteram em nós. O lado bom dessa eleição nos remete a algumas canções do imortal Noel Rosa.

Para quem não se lembra, na Conversa de botequim o compositor pedia ao garçom uma boa média que não fosse requentada, um pão bem quente com manteiga à beça e que, ele, com muito cuidado, fechasse a porta da direita. Não fechou bem fechada, mas trancou a da extrema-direita. A direita se manteve à frente da esquerda em quase todo o país. Entretanto, o eleitorado de capitais importantes, como São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte, Fortaleza, Goiânia, Curitiba e Florianópolis, ouviu o Último desejo de Noel e, com laços de Fita amarela e alguns Cem mil réis, ainda não se manifestou sobre alguns entulhos que ainda infestam o Brasil. Isto quer dizer que a ladainha do conservadorismo extremado contra a honra, a ética e a honestidade do presidente da República parece carecer de novas análises.

No mínimo, de apurações mais alentadas junto ao eleitorado brasileiro. Não que eu duvide das afirmações sobre o perfil pouco republicano do atual mandatário, muito menos de seu passado de vinculações com mensalinhos, mensalões e petrolões. No entanto, há algo de muito nebuloso nos registros e nas publicações relativas às avaliações extremistas do inimigo da vez. Numa hipótese empírica, eu diria que elas não têm fé pública. Nas capitais citadas, o que se viu foi justamente o inverso da moeda imaginada. Era para dar cara, mas deu coroa. Em boa parte delas, a direita rachou. Ou seja, apesar da arrastada cantilena em defesa do barão da cocada preta, nem tudo são flores no reino íntegro, probo e imaculado dos detratores da esquerda. Embora omisso em relação a candidatos que poderia ter eleito, Luiz Inácio faz um governo no mínimo incômodo àqueles que torcem pelo seu fracasso.

*Wenceslau Araújo é Editor-Chefe de Notibras

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