Como se fosse um dos dois candidatos à Presidência da República, tirei o fim de semana passado para refletir a respeito da política nacional nessas últimas duas décadas e, de modo menos entusiasmado, sobre o futuro do país. A pergunta que me fiz repetidamente tem tudo a ver com a anormalidade vivida pela metade mais um do povo brasileiro: onde foi que eu errei? Particularmente errei duas vezes. A primeira quando, de olhos fechados pela suposta precipitação dos julgadores, conclui contra Luiz Inácio, a quem havia “bancado” em 2002 e 2006. Não errei de tudo porque a inocência plena ainda está por ser provada. O Brasil inteiro espera por esse dia. A segunda, bem mais grave, foi abrir mão do voto no poste indicado por Lula em 2018.
Agi com o fígado e hoje quem paga é o coração. Pensado pelos movimentos da época, meu impensado gesto contribuiu para a gestação de um dos piores mandatários que o Brasil já teve. E pior no sentido mais amplo da palavra. Nem uma vírgula a menos. Anulei o voto e acabei ajudando a eleger um fulano que está prestes a levar o país ao fundo do poço, ao buraco negro do precipício. Não adianta chorar. É pensar e seguir em frente. A exatos 12 dias das eleições presidenciais mais perversas, chatas, histriônicas e abusivas de toda a história eleitoral do país, os planos de governo e as propostas para acabar – pelo menos minimizar – os inúmeros problemas nacionais não saem do forno. Não saem porque, concretamente, elas nunca existiram.
Mais do que um vale-tudo político, a guerra santa em que se transformou o pleito envolvendo Luiz Inácio e Jair Messias é um verdadeiro circo dos horrores, “um show com tantas dores e todos os seus temores”. Tendo como principal atração o Coringa que não admite sair de cena, nessa satanizada performance falta apenas a alegria do povo, hoje figura de somenos importância no pior espetáculo já apresentado ao eleitorado brasileiro. Não fosse o peso unitário e a soberania do voto, parte dos 156 milhões de eleitores estaria hoje na desagradável condição de bobo da corte. E o que foi (ou é) essa figura? O cômico contratado pelas cortes europeias na Idade Média para divertir os reis e seu séquito.
Mesmo sem o nariz de palhaço, escolhidos apontavam, de forma grotesca, os vícios e as características da sociedade. Tudo a ver com os bufões embandeirados de nossos dias, cuja função é fazer o rei rir. Em primeira e última análise, são aqueles que adornam seus automóveis, varandas e janelas com símbolos nacionais e, naturalmente, se acham mais brasileiros do que os demais. A bem da verdade, lamentavelmente o Hino Nacional e a Bandeira do Brasil simbolizam atualmente somente o ódio. Nada mais do que isso. Quem, por razões diversas, prefere outros distintivos, insígnias ou cores é condenado. São considerados discípulos de Satanás pelo simples fato de pensar diferente. É o que tem mostrado a campanha eleitoral. As exibições quase explícitas de sexo, mentiras, e ameaças de um dos candidatos são a tônica da perversidade.
Nesse palco de intimidações, vale até chorar em rede nacional para tentar convencer o pobre do eleitor, especialmente os incautos e, como o governante, despreparados para o pleno exercício do voto livre. Triste, mas público, a disputa eleitoral descambou para algo como uma briga de botequim ou de estádio de futebol lotado de intolerantes e estultos fundamentalistas. O fato é que os embates religiosos de nível duvidoso tornaram o programa eleitoral um telecatch de quinta categoria e, portanto, pouco palatável. É a intolerância pela intolerância, como ocorreu semana passada em Aparecida (SP). Líderes religiosos da Basílica de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, foram acusados de satanismo apenas porque não permitiram que o líder da seita que prega a brutalidade usasse o templo como palanque. A exemplo das meninas venezuelanas do Distrito Federal, não pintou um clima entre os verdadeiros sacerdotes e a piada presidencial.
Acusado de tudo, inclusive de grosseiro e de ladrão, o outro pelo menos se comportou com alguma santidade e ficou longe da balbúrdia. Também não é um estadista, mas causa menos temor aos eleitores que temem pelo futuro da nação. O medo é ainda maior entre aqueles que sabem que a democracia, apesar de todas as suas imperfeições, é o regime da liberdade, da paz e da unicidade. Por todas essas premissas, insisto em afirmar que, mais do que Lula e do PT, meu voto é da democracia a qualquer preço. Entendo que, em 2018, poucos eleitores conheciam o apego e o comprometimento de Bolsonaro com a tirania. Passados quase quatro anos, quero dormir o sono dos justos, mesmo que o presidente de minha preferência permaneça em dívida com a Dona Justa. Minha certeza é que, vitorioso Jair Messias, a democracia acaba no dia seguinte ao resultado do segundo turno. Por isso, reitero que votar bem pode significar o fim do circo de horrores instalado no Brasil.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978