Roteiro ultrapassado
Voto definirá se Brasil ganha alforria ou vai para a masmorra
Publicado
emDiferente de tudo que já vimos no Brasil desde o Império, as eleições de 2022 vem sendo encarada como algo muito além do partidarismo, muito acima das discussões sobre ideias ou propostas. Longe de estar definida, a disputa presidencial envolvendo dois extremos está bem próxima do litígio político-religioso, do confronto entre os bons contra os maus. Não sei bem onde querem chegar com essa boa nova, mas ela está posta. E a a partir dela tudo pode acontecer. Seja qual for o resultado, está claro que o Brasil não será mais o mesmo após o resultado do pleito de outubro.
Depois de alguns contratempos extemporâneos em anos que devem ser esquecidos, 2022 passará para a história do Brasil como o período das nuances ou tragédias anunciadas. Associada ao descaso do governo, a Covid 19 matou quase 670 mil compatriotas, mas, sabe-se lá porque, não assusta mais nem os idosos. Além disso, o presidente da República de Bananas cruzou oceanos apenas para, veladamente, manifestar apoio à mortandade de milhares de ucranianos. Parece que vivemos um ano de amarras soltas. Até os portugueses, que não nos querem por lá, reassumiram o Brasil e tomaram conta dos principais clubes de futebol.
Divindades do nosso imaginário e acostumadas a terreiros específicos, Exu e Pomba Gira foram presenças marcantes no carnaval fora de época da Marquês de Sapucaí. Falando em futebol, após títulos regionais nacionais e continentais em profusão, Flamengo, Palmeiras e Atlético Mineiro ainda não conseguiram recuperar o futebol esquecido em 2019, 2020 e 2021. No pior dos cenários, proprietários de veículos automotores se viram obrigados a vender seus carros para comprar meia dúzia de litros de gasolina. Como o presidente foge de suas responsabilidades, desemprego e fome viraram desafios para super-heróis e estudiosos da resiliência de um povo desesperançoso.
Os tempos realmente são outros. Aparentemente, até quem nos explorava nos abandonou. Tido e havido como nosso comandante em chefe, o mandatário dos Estados Unidos quer distância do colega brasileiro. E o que dizer de amizades longas rompidas por causa de políticos ou da política? O Brasil está de ponta cabeça? Parece que sim. Nada está no lugar. A começar pelo líder que deveria governar, nada mais tem clareza. Esse estágio de absoluta inércia indica que, em 2022, tudo pode acontecer, inclusive ficar o dito pelo não dito. Esse talvez fosse o melhor caminho. Voltaríamos à fase em que tínhamos certeza de que o Brasil era nosso. Era um tempo em que, apesar de nada ser daquele presidente, pelo menos o cercadinho era de todos.
E o que nos restou? De concreto, apenas a (in) certeza de que estamos bem próximos da alforria ou da masmorra definitiva. O fato é que, a menos de cinco meses das eleições gerais, a variação do cardápio presidencial está limitada a dois pratos feitos: lula com chuchu e jiló avinagrado com pimenta malagueta. Se tudo der errado, talvez sirvam um caldo verde requentado. A sobremesa é que dependerá do resultado. Pode ser que tenhamos um sururu nordestino à paulista ou, quem sabe, picadinho de filé mignon com leite condensado. É bom termos cuidado, pois, de acordo com a escolha, ainda teremos de lustrar próteses penianas para a luxúria pós-piquenique.
Será que voltaremos àquele longínquo passado? Tomara que não. Era um período em que não tínhamos vez e nem voz. No máximo, resmungávamos silenciosamente contra quem, acintosa e descaradamente, nos vilipendiava. Após o domínio sobre nossas ideias, cara feia e gritos incomodam, mas não assusta mais. Hoje, estamos convictos de que na bunda não vai dinha. O ultrapassado roteiro do fanatismo da direita objetiva amenizar o medo que o script da esquerda vem despertando. Tentam construir versões fantasiosas, inventar factoides e gerar medos para desviar focos. Não adianta. Afinal, quem nasceu pardal jamais crescerá carcará. E vamos que vamos.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978