E agora, presidente? Vossa excelência ainda não governou, atacou instituições, intimidou ministros, ameaçou pessoas, desestabilizou as Forças Armadas, disse o que queria, ouviu o que não queria, enfumaçou a Esplanada dos Ministérios e a Praça dos Três Poderes e, por enquanto, sofre com as paredes dos palácios do Planalto e da Alvorada os efeitos do feitiço que tentou espalhar pelo país. Esvaziou o glamour do cargo para o qual foi eleito democraticamente e, com o besteirol desprovido de provas da fraude eleitoral, encerrou sua pior semana sem discurso. “A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu”, o tanque fumaçou e o Congresso melou o sonho dourado da fraude. Acabou a zombaria. O que fazer depois que o circo do retrocesso do voto auditável pegou fogo?
Nada que não seja o choro da derrota, talvez o choro impresso. Aliás, nada mais justo, na medida em que o choro é livre. A sessão da Câmara me fez lembrar com alguma saudade tardes, noites e madrugadas de votações e resultados memoráveis. Os mais marcantes foram a promulgação da Constituição de 1988, aprovação do divórcio, ampliação do mandato presidencial, derrubada da tese do parlamentarismo, cassação do senador Luiz Estevão, renúncia de Antônio Carlos Magalhães, anões do orçamento, mensalão e os impeachments dos presidentes Collor de Mello e Dilma Rousseff. Com o sincerídio que o tema merece, nada tão inesquecível como a rejeição da PEC do voto impresso, um Frankenstein criado pela deputada Bia Kicis (PSL-DF), a pedido de Jair Bolsonaro, relatada pelo também bolsonarista Filipe Barros (PSL-PR) e derrotada por uma coalização de partidos, inclusive o PSL, governista de primeira e última horas.
Não estava no plenário da Câmara. Por isso, de frente para a TV, me dividi entre um jornalista isento em uma grande cobertura política e um torcedor fanático e convicto de que seu time venceria por larga vantagem por duas simplórias razões: o adversário estava perdido em campo e sem jogadores suficientes e capazes de fazer a bola rolar de acordo com as expectativas dos torcedores. Na prática, tutelado pelo presidente da Casa, deputado Arthur Lira (PP-AL), o plenário rejeitou o monstrengo. Foi a vitória da transparência, da confiança no processo de votação e, em última análise, da democracia. Ironicamente, o mesmo sistema eletrônico que ele tentou “queimar” o elege há cerca de 30 anos. E por que não lhe serve mais? Por absoluta falta de votos. Simples assim.
Faz algum tempo as últimas pesquisas de intenção de votos transmitem esse recado. Aliás, eles (os recados) têm sido dados em profusão. Eles chegam de todos os lados. O cancelamento da reunião dos chefes do três poderes, a ausência deles no “desfile” militar da Esplanada e a derrota do voto impresso foram alguns dos mais ácidos recados. Todos foram recebidos, mas, por razões óbvias, nunca entendidos. Pelo menos ainda não foram. Azar o dele, pois chegou o dia em que os remetentes perderam a paciência. Presidente, seu jeito horroroso de ser o fez perder todos os méritos e as excelências da honorífica função. Também contribuiu para isso o continuado frenesi de familiares e de seus fanáticos seguidores.
A verdade é que de nada valeram os rompantes uterinos contra as leis, a Justiça, a Constituição e, principalmente, a democracia. Desafiou e desafia a tudo e a todos. O resultado chegou a galope. O senhor sabe que perdeu qualquer chance de ser reeleito. Por isso, é natural sua fúria. Não é normal, mas aceitável que uma pessoa pública busque argumentos para amenizar o furor dos apoiadores. Sua escolha é não aceitar a derrota. Lembre-se, no entanto, que o tema ficou para trás. Como disse o presidente do Superior Tribunal Eleitoral, ministro Luís Roberto Barroso, o combate a “ataques descontrolados” deve ser feito com “amor ao Brasil”. O próximo recado deve estar chegando. Refiro-me às futuras pesquisas de intenção de votos. Elas certamente mostrarão que nem tudo são flores no cercadinho de Jair Bolsonaro.