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Avançando na Câmara

Voto impresso trará aposentadoria precoce da urna eletrônica?

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Autor/Imagem:
Misael Igreja* - Foto de Arquivo

A tarde abafada da quarta-feira, 11, em Brasília, prometia raios e trovoadas. Primeiro veio a notícia da aprovação, pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, de emenda constitucional para a volta do voto impresso; logo depois, revelou-se mais uma cirurgia para estancar futuros sangramentos no cérebro de Lula. Porém, quando enfim a noite chegou, veio acompanhada de uma pequena garoa.

Mas, enquanto aguarda-se o desfecho de mais um procedimento médico no presidente, já se sabe que a votação na CCJ fez soar o gongo de uma decisão histórica: uma eventual aposentadoria precoce da urna eletrônica, o sistema eleitoral que por décadas foi celebrado como um símbolo de modernidade e eficiência. O que se ouve ao longe, contudo, são os sinos anunciando a missa de sétimo dia, que virá mais cedo ou mais tarde.

O suposto retorno ao voto impresso carrega algo além de promessas: uma nostalgia de tempos em que se confiava no palpável. O papel, tangível e visível, parece trazer um consolo quase poético em uma era digital tão fugaz. Uma dúvida, no entanto, persiste: seria essa uma solução prática ou um suspiro de desconfiança sobre os avanços tecnológicos? O voto impresso, condenado pela esquerda e Justiça Eleitoral, mas defendido com unhas e dentes pela direita, seria uma alternativa para a a pacificação do País, que vive há tempos uma polarização política extremada?

As notícias sobre Lula virão no decorrer desta quinta, 12. Mas a aprovação da volta do voto impresso já reverbera entre partidos políticos. Uns comemoraram a decisão como se fosse um gol na final da Copa; outros, céticos, apenas balançavam a cabeça, temendo que os fantasmas de fraudes passadas ressurjam das cinzas, como a Fênix.

E as urnas eletrônicas, testemunhas silenciosas de tantas viradas eleitorais, não disseram nada. Apenas aguardam, inertes, que algum museu as acolham como relíquias de um futuro que chegou cedo demais e partiu ainda mais rápido.

A votação na CCJ traz de volta um debate fervoroso sobre o futuro do sistema eleitoral do país. Os defensores do voto impresso argumentaram que a medida representa uma forma de facilitar a auditagem das urnas, proporcionando maior transparência ao processo eleitoral. Para eles, a possibilidade de contar com um registro físico do voto poderia reforçar a confiança da população nas eleições e, consequentemente, aumentar a legitimidade do resultado. Afinal, muitos acreditam que o voto impresso garantiria a integridade do processo, evitando fraudes e manipulações.

Contudo, por trás dessa justificativa, há uma discussão perene. A medida que pode aposentar as urnas eletrônicas ainda passará por outros trâmites no Congresso. Não bastasse isso, ainda há a posição do Judiciário, que vê a mudança como inconstitucional.

É certo, entretanto, que o resultado na CCJ não representa a ressurreição de uma urna e a sepultura de outra. Porque o futuro da democracia brasileira, sua transparência e legitimidade, dependerá não apenas de como as eleições serão realizadas, mas de como a sociedade, como um todo, enfrentará seus desafios e as reformas possíveis para fortalecer a confiança no processo eleitoral. Existe sim a possibilidade de um retorno ao papel, à contagem manual, ao som de papéis sendo empilhados e examinados.

Os defensores do voto impresso acreditam que a medida trará mais confiabilidade ao processo eleitoral. A auditagem, dizem, será mais fácil e tangível, permitindo que qualquer dúvida sobre o resultado das eleições possa ser esclarecida com rapidez e clareza. Também afirmam que, ao dar mais segurança ao sistema, o voto impresso ajudaria a apaziguar os ânimos de um país cada vez mais polarizado, onde o debate político muitas vezes se transforma em guerra de palavras que transportam para atos de agressão física.

A tempestade dissipada pelo vento pode retornar com força, seja sobre os poluídos ares paulistanos ou no entorno da Praça dos Três Poderes. Mesmo porque, há dois pontos cruciais a considerar: 1) serão usados velhos fórceps ou instrumentos cirúrgicos de precisão? 2) o papel impresso em si é à prova de dúvidas, ou será que, mesmo com votos impressos, a desconfiança persistirá, mudando apenas o alvo das suspeitas? Afinal, não se trata apenas de métodos, mas de confiança — na tecnologia, nas instituições e nos próprios brasileiros.

A discussão sobre o voto impresso é mais do que uma questão técnica; é um espelho de nosso momento histórico. Talvez a verdadeira solução não esteja na tecnologia ou no papel, mas no diálogo que nos permita superar a desconfiança que insiste em nos dividir. Enquanto isso, o futuro das eleições brasileiras permanece uma interrogação, pendendo entre a nostalgia e a incerteza.

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*Misael Igreja é analista político de Notibras

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