Minha netinha Helena, na festinha de comemoração de seu aniversário de quatro anos, decidiu usar a fantasia de alguma personagem de filme infantil que, confesso, não consegui identificar.
Perguntei-lhe, então, qual era o nome daquela roupa linda. Ela, mais do que depressa, passou a soletrar as letras do nome, com as paradas estratégicas a cada sílaba, na esperança de que a vovó completasse:
– C E – a vovó não descobriu.
– L E – nada da vovó reagir.
Então, o tom da voz aumentou, inclusive com uma certa impaciência, para ver se daria resultado.
– I A – e a vovó começou a gargalhar.
Finalmente entendeu!
Ela estava fantasiada de sereia! Como a vovó não tinha adivinhado antes?
A Helena, sem entender o motivo daquela crise de riso inesperada, saiu de perto de mim de fininho, meio constrangida e sem que eu tivesse tempo de me redimir. Acho que não gostou.
Uns dias depois, foi aniversário da netinha caçula, Maria, também de quatro anos. Resolveu usar uma fantasia de borboleta. Nem me atrevi a perguntar o nome da fantasia, embora tivesse passado pela minha cabeça que pelo menos esse nome, se ela quisesse soletrar, não daria margem a dupla interpretação. Mas para não correr risco, nem tentei. Além do mais, a fantasia era autoexplicativa.
E assim pelo menos ela não iria reclamar para a mãe dela, como costumava fazer:
– Mamãe, minha vó “tá risando” de mim.
No domingo seguinte, fui convocada para brincar de escola com as duas, Helena e Maria. A professora foi a Helena, a Maria sua ajudante e eu a aluna. Sentei-me obedientemente no lugar que me foi determinado.
Logo nos primeiros minutos, a “professora” incumbiu-me da primeira atividade: desenhar um cachorro. Tarefa fácil, pensei. Deixe comigo.
O problema é que nessa área artística sou péssima. E a comprovação disso não tardou. Tarefa feita, entreguei à professora.
Ela, com seu olhar crítico, fuzilou-me com o seguinte comentário:
– Este cachorro está horrível! Parece jacaré! Pedi pra fazer um cachorro.
Eu tinha consciência de que o desenho não estava lá essas coisas, mas confundir o meu cachorro com um jacaré achei um pouco exagerado.
E o pior foi que a ajudante Maria confirmou:
– É sim, vovó, está parecendo um jacaré.
E desenhou o dela, que, aliás, ganhou 10 da professora.
Fazia parte da atividade não só desenhar, mas escrever a palavra correspondente, que eu, claro, cumpri satisfatoriamente. E veio a nota: um redondo ZERO.
Fiquei arrasada. E o pior, de nada adiantaram meus argumentos de que a nota zero é para quem não faz a tarefa ou, quando faz, erra tudo, e que eu, pelo menos, tinha acertado o nome do animal.
Nada feito. Apesar de todos os meus esforços, não a convenci.
Balanço da inocente brincadeira de domingo: fui contemplada com o primeiro zero da minha vida. Enfim, sempre é tempo.
Ah, para aliviar a situação, a professora me deu outra tarefa: desenhar as pessoas que moram na minha casa. Dessa vez, ganhei um 8. Ufa! Finalmente! Mas, não sei por quê, fiquei com uma sensação de que o episódio da sereia ainda não tinha sido bem digerido. Será?