Inocente, mas nem tanto
Yasmin sabe diferenciar traição de fuga cabulosa
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emYasmin, no alto dos seus quase 12 anos, que seriam completados dali a uma semana, parecia respirar sapiência quando lançava aquele olhar arguto. Salete, a mãe, sabia que, apesar da capacidade perceptiva da filha, ela ainda era uma criança. Tanto é que procurava segurar a língua para não falar além do necessário.
É verdade que Yasmin já sabia de cor uma penca de palavrões, a maioria aprendida assistindo aos embates da genitora nas reuniões com as amigas da igreja. Religiosa que era, Salete já havia perdido as esperanças de tornar o próprio vocabulário mais limpo. Não por acaso, o povo costumava falar que o seu corpo podia pertencer ao Senhor, mas a língua certamente era do próprio Capeta.
Apesar de tantas palavras feias, Salete se viu em uma encruzilhada. É que uma das primas, a Lorena, largou o marido e fugiu com outro. Aliás, não fugiu por fugir, como se o problema fosse apenas a traição. Essa parte é até irrelevante, tamanho o número de casos de trocas de maridos e esposas na família. O caso era outro.
Salete, tentando proteger a pequena Yasmin de algo que pudesse abalá-la psicologicamente, não deixava que essa conversa chegasse aos ouvidos da filha. Mas eis que no domingo, justamente após o pastor liberar os fiéis, juntou-se aquele mundaréu de gente ao redor da Salete, que estava acompanhada da filha e do marido.
— Salete, minha amiga, cadê a Lorena que nunca mais deu as caras?
— Viajou.
— Viajou ou fugiu?
— Gilda, por favor, em nome de Jesus, vamos mudar de assunto.
— Mamãe, o que aconteceu com a Lorena?
— Yasmin, minha filha, ela foi viajar.
— Ih, Salete, mentindo para a criança?
— Gilda, vá cuidar da sua vida, e me deixa cuidar da minha filha.
— Salete, se você não quer contar, eu conto. Olha, Yasmin, a Lorena fugiu porque se juntou com um cara que matou um homem e está foragido. É isso! Pronto! Contei!
Salete, com fogo nos olhos, já queria partir para cima da Gilda. No entanto, a pequena Yasmin, na maior naturalidade, parece que conseguiu apaziguar a situação.
— Ah, é isso? Pensei que fosse algo cabuloso.
*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.
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