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Reminiscências do Recife

Zé Peinha e as frutas roubadas de Paulo Freire, Ariano Suassuna e do doutor Luiz de França

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Autor/Imagem:
José Seabra - Foto Produção Irene Araújo

No bairro de Casa Forte dos anos 60, no Recife, entre ruas sombreadas por mangueiras centenárias e muros que escondiam segredos de quintais, viveu Zé Peinha, um menino franzino e travesso, filho do respeitável Seu Geraldo. Tinha o olhar vivo, de quem às vezes via mais do que devia, e a agilidade de um gato escorregadio, sempre pronto para a próxima travessura.

Não havia muro alto o bastante para conter sua inquieta curiosidade. O alvo favorito de suas aventuras eram as mangas graúdas do quintal do vizinho, um velho amigo de seu pai. Eram mangas que, segundo ele, tinham um gosto especial, temperadas pelo risco e pela adrenalina de serem colhidas em segredo. “A manga roubada é sempre mais doce”, dizia ele, com a sabedoria de seus escassos oito anos.

Certa vez, enquanto saboreava, furtivo, uma dessas mangas furtadas, foi flagrado por ninguém menos que o grande Paulo Freire, o vizinho-filósofo que costumava passar horas refletindo sob a sombra daquelas mesmas árvores.

— Menino, por que você não come as mangas do seu quintal? — indagou, com aquele tom sereno que misturava pedagogia e curiosidade.

Zé Peinha, sem pestanejar, respondeu: — Porque as do vizinho têm o recheio da aventura.

Paulo Freire riu, como quem aprende algo novo, e deixou o menino seguir com seu troféu. Não seria ele a cortar as asas de uma infância tão criativa.

Em outra oportunidade, foi a vez de Ariano Suassuna pegá-lo no flagra. O escritor, sempre atento aos detalhes da vida cotidiana, avistou o garoto pendurado no muro e decidiu intervir:

— Zé Peinha, se eu te der um puxão de orelha, vai doer mais ou menos que o do teu pai? — perguntou, com um sorriso maroto, mas de tom firme.

O menino, surpreso e sem resposta pronta, soltou a manga, escorregou do muro e saiu em disparada, jurando nunca mais invadir aquele quintal. Mas promessas de criança são como folhas ao vento: mudam de direção ao menor sinal de tentação.

Depois daquele dia, Zé Peinha decidiu moderar suas aventuras. Passou a colher apenas as carambolas que se atreviam a ultrapassar os limites do quintal do doutor Luiz de França, pendendo para a rua como quem oferecia um convite à transgressão. Eram travessuras mais discretas, mas ainda assim cheias de sabor.

Hoje, Zé Peinha é um homem de cabelos prateados, que, saudosista, vez ou outra volta a andar pelas ruas de Casa Forte. Quando passa pelos velhos muros de sua infância, sente o coração aquecido pelas lembranças. O gosto das mangas roubadas ainda parece mais doce em sua memória, temperado pelo encanto de um tempo em que a vida era simples, e os muros do mundo, baixos o suficiente para serem superados com um salto.

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