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Sobradinho

Zé Roberto, viúvo, 93, se anima com uma geladinha e pega um mês de castigo

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Autor/Imagem:
Eduardo Martínez - Foto Produção Irene Araújo

Álvaro andava preocupado com o pai, seu Zé Roberto, que estava com 94 anos. É que o velho vivia cabisbaixo desde que a esposa resolveu se hospedar definitivamente no cemitério em Sobradinho. Ademais, o coroa não descartava que decisão tão drástica teria sido decorrente de desentendimento por conta de alguma bobagem dita por ele.

— Pai, mamãe morreu porque era o tempo dela.

— Bobagem, Álvaro. Tenho aqui comigo que foi por implicância.

Sem mais ter a quem recorrer, Álvaro revolveu deixar o pai na oficina do Leopoldo, já que o ambiente costumava ser animado, parte por conta do dono, parte por conta da clientela. E, para surpresa do homem, Zé Roberto pareceu que se enturmou de imediato com a galera. Tanto é que, quando o idoso não aparecia, sempre havia alguém para perguntar por sua ausência.

— Ué, cadê o coroa?

— Ou bateu as botas ou, então, deve ter arrumado alguma namorada.

Seja uma coisa ou outra, até mesmo uma terceira e, quiçá, uma quarta ou nenhuma delas, sexta-feira era dia de churrasco na oficina do Leopoldo. E, não tardou, surgiu quase do nada o velho Zé Roberto, que foi recebido com salvas de palmas pelos presentes.

— Por onde andou, coroa?

— O povo aqui já tava falando mal de você.

Zé Roberto, vendo aquela maneira carinhosa dos confrades, sorriu todo o sorriso que a dentadura lhe permitia. Em seguida, fez a costumeira pergunta para Leopoldo.

— E aí, vai arrumar quantos carros hoje?

— Coroa, se fosse outro dia, diria que seriam dez. Mas hoje é sexta-feira, e, se conseguir mexer em dois ou três, já vai estar de bom tamanho.

Enquanto todos riam, a carne já era colocada sobre a grelha, e a cerveja era bebida com gosto. Só que, naquele dia, Zé Roberto estava uma verdadeira esponja e, não tardou, tomou quase todas as latinhas. Resultado, ficou pra lá de Bagdá.

Ninguém ficou com raiva do velho. Por outro lado, ficaram preocupados com a possibilidade de Álvaro impedir que o pai frequentasse a oficina. Por isso, Leopoldo, assim que a confraternização acabou, fez questão de deixar o Zé Roberto em casa.

— Coroa, vê se não dá mancada ao entrar.

— Pode deixar, Leopoldo. Sou mais esperto do que o Álvaro. Disfarço tão bem, que ele nem vai perceber que tomei algumas.

— Ah, é? Então, faz um quatro aí.

— Hum! Nunca fui bom em matemática.

Após quase duas semanas sem que Zé Roberto aparecesse na oficina, Leopoldo foi ver o que teria acontecido. Tocou a campainha da casa do amigo, mas quem atendeu foi o Álvaro.

— Oi, Álvaro, tudo bem?

— Tudo.

— Cadê o seu pai? Aconteceu alguma coisa?

— Aconteceu.

— Algo sério? Ele está doente?

— Não.

— E o que ele tem, então?

— Anda muito animadinho pro meu gosto. Por isso, está de castigo até o final do mês.

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Eduardo Martínez é autor do livro 157 Contos e Crônicas por um Autor Muito Velho’

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