Dizem as boas e as más línguas que a bebida mata lentamente. A estes, respondo singela e laconicamente que não tenho pressa. Não sou abstêmio, mas bebo pouco porque o pouco que bebo me transforma em uma outra pessoa. Essa, infelizmente, bebe pra cacete. Pelo sim, pelo não, sigo os ensinamentos do filósofo Zeca Pagodinho. Segundo ele, cerveja e cachaça são os piores inimigos do ser humano. No entanto, o homem que foge dos inimigos é um covarde. Centrado e consciente dos meus direitos e deveres, às vezes passo do ponto e acabo me achando parecido com uma caixa de isopor: é só encher de cerveja que você leva para qualquer lugar. Para alguns, não. Para a funerária, nem morto.
Não sou dependente dos botecos, mas inegavelmente é na mesa de um bar onde as risadas se transformam em trilha sonora e a cerveja vira o aplauso do homem. É o lar no qual crio as melhores lembranças e dou as melhores gargalhadas. Pai biológico da filosofia cotidiana, o botequim é o local em que deixo a gordura presa no torresmo, amarro a linguiça suína com o cordão, esqueço a espuma do ódio no fundo do copo encardido e fixo as cores dos meus olhos no colorido dos ovos arrumados na estufa sobre o balcão. Sentado no banco de plástico e de pés bambos, a amizade é a porção de batata frita. Exageros à parte, para mim a melhor rede social ainda é uma mesa cheia de birita e rodeada de amigos. Que eu me lembre, nunca fiz amigos bebendo leite ou iogurte.
Todo mundo tem uma história de boteco para contar. Afinal, sempre é possível coletar boas memórias desse lugar. Que o diga nosso imortal Reginaldo Rossi, amigo daquele garçom que, em uma mesa de bar, cansou de escutar centenas de casos de amor. Meu caro Reginaldo, você partiu e deixou nossos corações em pedaços. Fique tranquilo, pois já paguei sua conta, mas, se estiver tomando uma, me diga se no céu é como aqui na Terra, onde no bar todo mundo é igual. Embora eu não concorde com o que dizia ao garçom que homenageou, você já achou um desses profissionais para encher o saco? Com certeza não, porque pegou no sono antes de se deitar no chão.
Herói dos boêmios, dos eternos amantes dos bares e prostíbulos, Waldick Soriano, o baiano que também reina nos céus, era frequentador assíduo do Bar do Lico Leite, em Caetité, sua terra natal. Sem papa na língua, o brega dos ricos, enquanto solfejava Eu não sou cachorro não, dizia ao amigo Zé Gomes, outro que já se aventurou por detrás das nuvens: “Meu lema é sorriso para os dias bons, paciência para os dias ruins e cerveja para todos os dias. Minha vida é um litro aberto”. Grandes Waldick, Reginaldo e Zé, não penso em ir agora, mas quero estar pronto para o dia do juízo final. Por isso, me digam com quem andam e eu direi quantas cervejas levar no momento do acerto de contas.
Por enquanto, estou por aqui firme e forte. Agradeço as cartas, mas não respondo, pois prefiro não digitar quando bebo. Não tenho medo de ficar ruim, até porque se fosse para ficar bom eu tomaria remédio. Lembro de minha infância, quando morria de medo de bêbado. Hoje sei que a gente não faz mal a ninguém. Estou só e sóbrio, mas realizado. Fui ao pediatra de plantão e ele mandou seguir meu coração. Atendi à recomendação e acabei no bar, local em que a alma se enche de alegria. No divã do analista, me mandaram tomar juízo, mas só achei samba, suor e cerveja. Novamente recorri aos preceitos de Zeca Pagodinho e decidi não deixar para amanhã o que posso beber hoje.
Só para lembrar meus leitores, ao me encaminhar para o último parágrafo desta botequeira narrativa já estava mais acabrunhado do que o padre nos estertores da décima-terceira missa. Como um craque na arte de sair ileso dos pileques, também sou movido ao mate e ao suco de limão dos calçadões de Bangu e de Campo Grande, dos bairros dos grandes prazeres de minha vida. Aliás, parafraseando Jânio Quadros, bebo de tudo porque é líquido. Se fosse sólido, comê-lo-ia. Dizer que bebida em exagero não mata é o mesmo que dizer que tamanho não é documento e que dinheiro não traz felicidade. Não conheço a autoria de tais afirmações, mas certamente é de um pobre do pinto pequeno.