Zileide se achava, tamanha a quantidade de elogios que sempre recebia dos rapazes do bairro Nossa Senhora da Apresentação, na linda capital do Rio Grande do Norte. Garbosa que nem cardeal-do-nordeste, amava ser notada e falada. E a língua do povo corria igual cachorro-do-mato. Era um piscar d’olhos, lá vinha fofoca fresquinha sobre a moçoila.
Pois a história que causou reboliço por aqui aconteceu na semana passada, quando Zileide foi convidada para um forró na casa da Dulcineia, mulher do Afrânio. Mal chegou, os olhares dos convidados se voltaram para o saia curta cor de carne, que, não há quem negue, favoreceu àquelas trigueiras coxas torneadas. Comentários não faltaram, até transbordaram pelos muros da residência.
Zulmira, que trazia o Roberto a tiracolo, entrou em seguida. Pra quê? A mulher, trajando um vestido que mal cobria a calcinha, roubou todos os olhares para si. A intriga, aliada à inveja, estava lançada, justamente quando a vitrola tocava “Severina Xique Xique” na voz inconfundível do Genival Lacerda.
Dulcineia, já prevendo o imbróglio, tratou de puxar a Zileide pelo braço. Foi apresentar a amiga para alguns rapazes solteiros, que contavam vantagens entre si. Todas, obviamente, mentiras, seja na quantidade, seja no tamanho.
Zileide, a despeito dos belos espécimes diante dos olhos, preferiu o gajo da outra beldade da festa. Roberto, apesar de já desgastado pelos mais de 40 anos, possuía algum charme. A calvície adiantada lhe conferia certa hierarquia diante de tanta gente cabeluda. Era como se a careca se fizesse coroa.
— Aquieta, mulher! O homem tem dona.
— E quem disse que sou mulher de desistir fácil, amiga? Se quero, vou até o fim!
— Zileide, você não tem jeito.
Sem mais ter o que fazer, Dulcineia lavou as mãos e deixou aquela pendenga por conta de Deus. Isto é, se Ele não estivesse envolvido em questões mais urgentes do que cobiça por homem de outra. Vai que o Divino arranjasse tempo na agenda lotada para salvar aquele forró, que perigava se transformar numa barafunda.
Quando a prosa com a dona da casa terminou, Zileide se virou e deu de cara com a rival dançando colada ao corpo do amante. Era rodopio pra cá, saracoteio pra lá, até que, no final da música, os lábios daqueles dois grudaram que nem chiclete em sola de sapato. De tão apaixonado foi aquele beijo, que tinha gente apostando que os dois cairiam durinhos por falta de ar.
Ninguém ganhou a aposta. E lá foi o casal refrescar todo aquele calor, quando esbarraram com a Zileide, que providencialmente segurava dois copos de cerveja. Roberto esticou o braço e sorriu aquele sorriso de Napoleão Bonaparte ao atravessar o Arco do Triunfo.
— Tira a mão, homem! Esse copo é pra minha amiga aqui.
— Obrigada. Qual a sua graça?
— Zileide.
— Prazer, Zileide! Sou a Zulmira.
Roberto, percebendo que as duas queriam conversa reservada, tratou de ir buscar uma cerveja, pois o calor estava infernal. E lá ficaram Zileide e Zulmira por quase meia hora, entre gargalhadas que chamaram a atenção dos presentes. Não se sabe ao certo o que falaram, mas parece que elas entraram em acordo. Tanto é que, assim que o objeto da discórdia voltou e quis uma nova rodada de dança com a namorada, esta declinou.
— Dance com a Zileide, que mais tarde te prometo uma recompensa.
Não se sabe o que aconteceu depois, mas apenas conjecturas. O certo é que aqueles três, já altas horas, saíram de braços entrelaçados. Deixa o povo falar. Eita, povo que gosta de uma fofoca!
*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.
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